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Por Adhemar Mineiro*
A situação econômica neste momento é muito critica a nível internacional e as perspectivas de futuro, pelo menos no curto e médio prazo, não são alentadoras. É importante, como primeira coisa, apontar que o cenário internacional mesmo antes da crise do coronavírus não era tranquilo. O ponto principal desse cenário era uma alavancagem financeira muito alta do ponto de vista dos mercados financeiros, das Bolsas de Valores, que já vinham há algum tempo estimulando uma especulação tanto em relação aos preços das commodities internacionais, quanto em relação aos mercados cambiais, mas isso, alguma hora, e muitos avaliavam que março ou abril desse ano seria o momento, chegaria a um processo de especulação mais forte em relação ao valor das ações das empresas.
A saída da crise de 2007 e 2008 foi, especialmente a partir de 2010, uma forte expansão monetária, você tranquilizou o mercado financeiro viciando ele em crédito, em expansão monetária, em dinheiro barato, taxas de juros baixas e isso fez com que o cassino se reaquecesse, aquele mesmo cassino pré-2007 e 2008 começou a se reaquecer, esse foi o movimento desde 2010 e era em relação a isso que as apostas de uma crise iminente no mercado financeiro começavam a proliferar. Portanto, longe de você estar em uma situação tranquila antes da explosão da pandemia, na verdade você tinha uma situação nervosa nos mercados financeiros e isso vinha resultando em processos tensos desde o último trimestre do ano passado e uma avaliação de que a partir do final do primeiro trimestre, início do segundo trimestre de 2020 isso ficaria insustentável.
O outro ponto é que a consequência disso também é um processo em que você tinha vários fios desencapados que poderiam se encostar a qualquer momento e um poderia detonar o curto-circuito em relação ao seguinte. Aconteceu nessa área de saúde, isso se conectou muito rapidamente com essa fragilidade financeira das Bolsas internacionais, mas as pessoas têm de lembrar que mesmo se não tivesse havido uma explosão da pandemia, logo na sequência o conflito sobre o preço do petróleo envolvendo dois dos principais produtores nessa área, a Arábia Saudita e a Rússia, desencadeou também uma crise grave e que também teria, se não fosse a história do coronavírus, por si só um impacto nas Bolsas, mas havia toda uma série de fios desencapados, como eu chamei, que poderiam detonar os curtos-circuitos a qualquer momento.
Havia o processo de saída da Inglaterra da União Europeia, o processo eleitoral dos Estados Unidos, as crises latino-americanas que estavam começando a bater também em crises financeiras, temos de lembrar que a Argentina, o Equador estavam renegociado dívidas com o FMI quando a crise do coronavírus atropelou esse processo, a própria China antes do coronavírus já tinha um processo de redução dessas taxas de crescimento, então não era uma situação tranquila e essas múltiplas crises sinalizadas no cenário poderiam ser o estopim do processo de explicitação da fragilidade financeira que acabou sendo o coronavírus.
Um terceiro ponto a ser ressaltado também é que, desde a posse do presidente Trump nos Estados Unidos há, esse também um processo que vem de lá de trás, que é evidente pelo menos nos últimos cinco anos, uma crise do multilateralismo internacional. Isso leva ao esvaziamento de instituições, temos de lembrar que na última grande crise que tivemos em 2007 e 2008, um dos instrumentos criados para a gestão da crise foi o G-20, que é um mecanismo de coordenação multilateral de vários países. Então essa crise do multilateralismo também amarra as possibilidades de uma resposta conjunta à crise. Hoje se fala em valores muito altos, trilionários, alguma coisa da escala de US$ 5 trilhões para tentar responder à crise, mas quando a gente olha de perto, na verdade você está somando respostas nacionais nas quais o próprio Estados Unidos responde pela metade deste valor, e ele não está se propondo a fazer nenhum processo de salvação coletiva, está se propondo a se salvar.
Hoje você não tem esse instrumento em um plano multilateral que possa ajudar a saída da crise. No Brasil, também há elementos interessantes. A crise ao contrário do que parece implícito no discurso oficial do governo, que aparece várias vezes na boca do presidente Bolsonaro, do ministro Paulo Guedes, de que você, na verdade, está abatendo um deslanche brasileiro do ponto de vista do crescimento económico e, na realidade, vínhamos há 3 anos, e os números de 2019 são anteriores ao coronavírus, em um processo de estagnação da economia. O máximo que algumas pessoas apontavam para 2020 era talvez um novo processo de voo de galinha, o voo de uma galinha manca, que nem seria tão diferente assim do ano de 2019.
Na verdade, não estávamos, digamos, bombando do ponto de vista da economia. Você tem a crise e continua se movendo dentro dos mecanismos desse regime de instabilidade fiscal que montou desde o final dos anos 1990, ou seja, o quadro da renegociação das dívidas nos níveis subnacionais, estados e municípios, a questão da lei de Responsabilidade Fiscal, Regra de Ouro, mais recentemente a emenda constitucional 95, do teto de gastos, criou-se uma série de mecanismos que hoje amarram as possibilidades de se fazer uma expansão sustentada nos próximos anos a partir dos gastos públicos, que é a única possibilidade. Isso também é muito complicado.
Na verdade, teríamos de aproveitar essa situação para desmontar esses mecanismos e o máximo que se admite do ponto de vista do governo, do Congresso é uma suspensão temporária desses mecanismos em função da crise de saúde, o que não vai te garantir uma recuperação sustentada para frente. Quais são as perspectivas para frente? Elas são bastante complicadas, há uma instabilidade grande que vai continuar no cenário internacional e que tem como pano de fundo a disputa hegemônica entre China e Estados Unidos, então é importante tomar em consideração que essa instabilidade continua, há uma séria de incertezas a respeito de todos os mecanismos que são representados por esses vários fios desencapados, muitos dos quais vão continuar no cenário, e você tem uma saída da crise que provavelmente passa por uma intervenção sustentada dos Estados nacionais e de forma articulada por um prazo relativamente longo, e continua tendo um discurso antiestado muito forte.
Assim como na crise em 2007 e 2008, a saída passou por uma intervenção ativa dos Estados nacionais. Porém, assim que pararam os sintomas da crise, os Estados foram colocados contra a parede, ou seja, se endividaram para salvar o capitalismo àquela altura, as principais corporações financeiras e produtivas internacionais, e logo se em seguida se viram confrontados com uma amarração fiscal, com sustentabilidade da situação fiscal e, portanto, colocados de novo contra as cordas pelo discurso hegemônico.
Se isso acontecer novamente, você corre o risco de qualquer intervenção que seja feita nesse momento será um analgésico, vai seguir tendo toda a fragilidade, todas as incertezas e todas as instabilidades sem que você tenha esse instrumento ativo, o Estado nacional, com capacidade e coesão política para garantir sua intervenção por um prazo longo que é a possibilidade de sairmos desta crise mais à frente. Então as perspectivas não são muito otimistas, isso tem de se levar em consideração.
* Adhemar Mineiro é economista
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