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As lutas por igualdade que permeiam as gerações ao longo da História provocaram verdadeiras revoluções em práticas antes negligenciadas a determinados estratos. Uma das que melhor representam o engajamento por direitos são as mulheres, que têm neste 8 de março data para relembrar heroínas e reafirmar seu lugar em uma sociedade ainda repleta de símbolos e atitudes patriarcais.
Para debater as barreiras que resistem e a importância do feminismo nos dias de hoje, o Faixa Livre convidou a vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas do Rio de Janeiro (Abracrim-RJ) Maíra Fernandes, a professora da rede estadual e ex-diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ) Wíria Alcântara e a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL-RJ).
Idealizado para homenagear um grupo de tecelãs que realizaram, em São Petersburgo, uma greve que impulsionou a Revolução Russa, o Dia Internacional da Mulher está longe de simbolizar celebração.
“Não é uma data festiva, organizada no sentido do consumo como é o dia dos namorados ou o que virou o dia das mães. Na verdade é um dia que demarca a força e o poder das mulheres, que mostra como as mulheres estão afinadas com as lutas sociais, que são mães, que lutam para prover seus filhos, por pão, paz e terra, e estão na luta levantando essas bandeiras. O dia de hoje é de ir para a rua fazer uma grande reflexão do papel das mulheres na sociedade”, ressaltou Wíria.
POLÍTICA
O ideal de igualdade perseguido pelas mulheres há séculos não está representado na maioria dos ambientes sociais e profissionais no Brasil. Um dos exemplos pode ser visto na política institucional, dominada pelos homens.
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, a proporção de mulheres eleitas equivale a 15% – 77 – do total de 513 cadeiras em disputa no último pleito. Já na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o cenário não é muito diferente: dos 70 deputados, apenas 12 são do sexo feminino. Apesar do número baixo de representantes, há um dado a ser comemorado.
“A Lei Maria da Penha não prevê só a punição de agressores, mas também uma série de medidas preventivas que têm de estar na ordem do dia” – Maíra Fernandes
“Isso é inédito porque até a legislatura anterior, por exemplo, sequer existia a composição de uma Comissão da Mulher na Casa, porque ela tem cinco titulares e cinco suplentes e nunca chegamos a ter tantas mulheres para ocupar essas vagas”, pontuou Dani Monteiro.
Para fomentar a participação das mulheres no cenário político, a Justiça estabeleceu, em 2009, que cada partido deve ter pelo menos 30% de candidatas a cargos no Parlamento.
No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral estipulou o repasse de 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para postulantes femininas. Tal obrigatoriedade evidenciou um escândalo de supostas candidaturas laranja no partido do presidente Jair Bolsonaro, com envolvimento do ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio.
“O caso do PSL escancara uma realidade muito dura sobre esquemas de corrupção a partir das candidaturas de mulheres, mas também coloca uma questão não vinculada só ao repasse do que seria a verba para essas mulheres da cota prevista em lei. Coloca também a dificuldade que os partidos têm de impulsionar candidaturas femininas, que não sejam só de mulheres, mas que tragam a pauta do movimento feminista”, avaliou a deputada do PSOL.
VIOLÊNCIA
Um dos indicadores mais alarmantes desse abismo entre gêneros está na violência contra a mulher, exposta diariamente na grande mídia com inúmeras ocorrências desde o início do ano.
“Temos de pensar uma gravidez mais humanizada, onde a criança nasça a partir do próprio movimento do corpo da mulher e diminuam os casos de cesária. O Brasil é campeão em procedimentos cirúrgicos para mulheres terem filhos” – Dani Monteiro
De acordo com dados do estudo ‘Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres’, do sociólogo argentino radicado no Brasil Julio Jacobo Waiselfisz, 4 762 mulheres foram assassinadas no país em 2013, sendo 50,3% dos feminicídios cometidos por familiares das vítimas.
Do total, 33,2% das mulheres foram executadas por parceiros ou ex-parceiros. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país tem uma taxa de 4,8 feminicídios para cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo.
“Esse número de mulheres assassinadas pode ser infinitamente maior porque os casos de violência contra a mulher não necessariamente precisam ser registrados como feminicídio”, observou Maíra Fernandes.
A aparição de tais ocorrências na imprensa auxilia no combate de certos discursos construídos ao longo de décadas e que, em boa parte, imputam às vítimas a culpa pela agressão.
“Sem dúvida de um tempo para cá tem havido uma maior preocupação na divulgação desses dados de desconstrução de uma série de mitos em relação à violência contra a mulher, como aquele de que roupa suja se lava em casa, violência contra mulher é uma coisa só esporádica, que só acontece em famílias problemáticas, que os agressores não sabem controlar suas emoções, que é um caso que não vai acontecer mais, que o homem ficou com a cabeça quente ou ela deu razão a isso, que se a situação fosse tão ruim, não continuaria casada”, citou a advogada.
A promulgação da Lei Maria da Penha parece não ter alterado substancialmente o quadro. Entre 2006, ano em que legislação entrou em vigor, e 2013, apenas Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia e São Paulo registraram quedas na taxa de feminicídios.
EDUCAÇÃO É ARMA
O acesso à informação é citado por Wiria Alcântara como um dos aliados no combate à violência contra a mulher, e a escola tem papel central neste processo:
“A educação é um pilar para que a Lei Maria da Penha possa ser estruturada, uma nova visão da sociedade que não tolere essa violência, porque nesse índice elevado de feminicídios, de agressão a mulheres, de estupro, a impunidade é muito grande e isso tudo tem relação com uma cultura que está arraigada na sociedade que é o machismo. A escola é um pilar para desconstruir isso”.
“Ficamos impactadas com as declarações retrógradas da ministra Damares dizendo que meninas têm de usar rosa e meninos azul, e não toca nas pautas do sofrimento das mulheres, da desigualdade de gênero” – Wíria Alcântara
Apesar da importância das instituições de ensino e da participação de educadores, algumas iniciativas propostas por grupos conservadores e encampadas por políticos põem em risco tais avanços, como é o caso do projeto ‘Escola sem partido’.
“Se a escola começa a ser criminalizada, se os professores começam a ser perseguidos por fazer esse debate tão necessário, começamos a viver uma situação muito mais perigosa porque ao invés de se combater esses índices, você acaba escamoteando e a escola não cumpre seu papel de contribuir para a mudança dessa mentalidade”, continuou a ex-diretora do Sepe-RJ.
MERCADO DE TRABALHO
Outro indício da desigualdade está evidenciado na diferença de remuneração entre homens e mulheres que exercem o mesmo cargo profissional.
Uma pesquisa realizada pelo site de empregos Catho com quase 8 mil trabalhadores mostrou que, em todos os cargos, áreas de atuação e níveis de escolaridade, elas recebem menos que os colegas do sexo oposto. Essa diferença salarial pode chegar a quase 53%.
A cultura paternalista de que a mulher tem de se responsabilizar pelos cuidados domésticos é uma das causas para o desequilíbrio para a vice-presidente da Abracrim-RJ. Entretanto, mesmo nas situações paritárias, há preconceito.
“Óbvio que sabemos que existe uma dificuldade grande de uma mulher conseguir conciliar o seu trabalho com a maternidade, com os cuidados com a casa que permanentemente recaem sobre ela, como se só ela fosse responsável, mas, na maior parte das vezes, há mulheres que conseguem fazer tudo isso, têm toda uma qualificação e ainda assim ganham menos do que os homens”, assinalou.
O argumento, aliás, é utilizado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro para justificar o abismo remuneratório no mercado de trabalho.
“Ele não reconhece que as mulheres fazem dupla, tripla jornada com uma capacidade de trabalho impressionante que sobrecarrega demasiadamente. Sem dúvida alguma essa colocação está fora de foco porque ele deveria é dizer para os homens aumentarem sua participação para diminuir a sobrecarga sobre as mulheres, para que esse esforço da mulher poder se qualificar não seja um fardo dificílimo de carregar porque é o que acontece. As mulheres são muito guerreiras em todas as classes sociais”, ratificou Maíra.
Ouça o debate na íntegra:
Debate em 08.03.2019