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A sensação de impunidade que a sociedade brasileira alimenta ao longo da história em relação aos poderosos que cometem crimes contra os direitos humanos tomou uma nova proporção no último período. Hoje (14) completa-se um ano das execuções, ao que tudo indica políticas, da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes sem que seus mandantes tenham sido descobertos.
O programa Faixa Livre convidou para este debate especial sobre os desdobramentos dos icônicos assassinatos a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, o delegado de Polícia Civil Vinícius George e a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil Jurema Werneck.
Naquela quarta-feira, 14 de março de 2018, o crime cometido no bairro do Estácio, próximo do prédio da Prefeitura do Rio, simbolizou não apenas um ato de covardia contra uma mulher negra. Os brasileiros foram novamente expostos ao terror da perseguição a representantes das causas daqueles socialmente invisibilizados, como ocorria nos tempos da repressão estatal armada.
“Assassinar uma pessoa como a Marielle, que era uma ativista que lutava pelos direitos humanos, contra violência, a brutalidade policial, pelo direito das mulheres, da comunidade LGBT, de jovens negros que vivem em favelas, periferias, por dignidade para o trabalho de policiais, contra injustiças, tem uma dimensão muito maior”, lembrou Jurema.
Desde o início, as averiguações do caso pelos órgãos do Estado, como Polícia Civil e Ministério Público, apontaram uma série de polêmicas, com linhas de investigação distintas, depoimentos contraditórios e indicação de suspeitos ligados a figuras da política, como o colega de Marielle na Câmara Municipal Marcello Siciliano (PHS).
As incoerências surgidas obrigaram o Palácio do Planalto a intervir, convocando a Polícia Federal para apurar o passo a passo do inquérito. As informações levantadas pela corporação indicavam para o envolvimento de agentes públicos nas execuções.
“Hoje o Rio de Janeiro amanheceu em uma tempestade e depois vieram dois arco-íris. Digo isso porque Marielle e Anderson não voltam mais, mas a luta continua” – Jurema Werneck
“Essa história da banda podre da polícia é muito antiga. Até o Ministério Público do estado se corrompeu. Em um cenário desse na polícia, que já não é flor que se cheire, sou isento para falar isso, tudo pode acontecer, até milícia”, ressaltou Vinicius.
As primeiras respostas para o esclarecimento do crime começaram a aparecer, ao que parece, há dois dias, com as prisões do sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e do ex-PM e adido da Polícia Civil Elcio Queiroz.
Ambos são acusados de estarem no veículo que perseguiu Marielle pelas ruas do Centro do Rio. De acordo com as investigações, Elcio seria o motorista, enquanto Ronnie teria efetuado os disparos.
“Evidentemente essa missão não está cumprida e a parte mais importante da investigação ainda está por ser terminada. Há indícios, uma apresentação de suspeitos de terem apertado o gatilho e outro de ter dirigido o carro, mas na verdade ainda precisamos saber quem mandou matar a Marielle, essa é a pergunta que não quer calar”, avisou Julita.
Apesar da prisão dos suspeitos pelos assassinatos, episódios no mínimo curiosos continuam a acontecer. Responsável pelo processo desde o início, o titular da Delegacia de Homicídios (DH) da Polícia Civil Giniton Lages foi afastado das investigações pelo governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel
O chefe do Executivo estadual alegou ter deslocado o delegado para se prestar a um “programa de intercâmbio” com a polícia da Itália, apontando que Giniton estaria “esgotado” depois de conduzir o caso Marielle.
“Nós entendemos o medo e a complexidade do problema, mas que a sociedade brasileira não legitime a violência porque ela traz mais violência. Toda vez que você legitima uma violência hoje, amanhã será vítima dela de alguma forma” – Vinícius George
As declarações de Witzel surpreenderam até o agora ex-titular da DH. Ainda assim, a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes pede cautela nas avaliações sobre o episódio.
“É claro que tudo soa muito estranho, mas temos duas linhas de possibilidade, uma de que realmente é estranho afastar o Giniton, o sujeito que mais reunia informações nesse momento sobre assassinato da Marielle, mas por outro lado temos de lembrar também, para que a gente não se deixe levar por suposições que talvez acabem não se comprovando, é que houve uma mudança de governo”, pontuou.
A indicação de Giniton para o cargo foi feita pelo ex-chefe da Polícia Civil no governo Pezão Rivaldo Barbosa. Atualmente o delegado Marcus Vinícius Braga está encarregado das funções.
“Eu já ocupei cargos públicos, quando me tornei diretora do sistema penitenciário e não mantive a equipe que estava lá e vinha de outro governo, com outra orientação. Mudei inteiramente a equipe, substituí todos os diretores das unidades prisionais, então acho que temos de lembrar que esse caso pode ser apenas um rearranjo de equipe em que o Marcus Vinícius quer colocar nessas posições pessoas da confiança dele”, seguiu Julita.
“Marielle foi eleita por 46 mil cariocas. Não vamos descansar enquanto não soubermos quem matou Marielle” – Julita Lemgruber
A avaliação de Vinícius George é semelhante à da socióloga, entretanto ele destaca a postura contraditória de Witzel ao marcar o local onde seriam feitas as declarações sobre as prisões dos assassinos de Marielle e Anderson:
“Do ponto de vista do governo, você vai trocar as peças que são, sob o seu prisma, mais adequadas àquele cargo, até aí está tudo normal. O problema começa quando o governador leva a coletiva para o Palácio Guanabara, ele governamentaliza uma atribuição que é institucional de Estado, por isso muito bem o Ministério Público não foi à entrevista. O governo quer faturar política e midiaticamente. É um equívoco e pode trazer prejuízos”.
A Anistia Internacional, movimento que conta com mais de 7 milhões de apoiadores em 150 países e realiza ações e campanhas em defesa dos direitos humanos, tem acompanhado de perto as investigações das execuções da vereadora e de seu motorista.
Dentre as diversas manifestações públicas em homenagem à data em todo Brasil, a entidade vai até Brasília para encontrar Jair Bolsonaro cobrando explicações detalhadas para o crime bárbaro.
“Entregamos às autoridades do estado e vamos entregar hoje ao presidente da República 800 mil assinaturas de gente de todo o mundo dizendo que precisamos seguir a investigação, que queremos saber quem mandou matar Marielle. A investigação completa respondendo todas as perguntas e respostas vai ajudar o Brasil a virar a chave. É preciso saber o que está por trás da produção de um homicídio e que as autoridades se responsabilizem imediatamente”, comentou Jurema.
Ouça o debate na íntegra:
Debate em 14.03.2019