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Meus amigos, há sempre um desejo de agradar e bajular o presidente americano Trump, a família Bolsonaro se esmerou em declarações que pudessem ser bem recebidas pelo mandatário americano. O filho do presidente, não sei se o 01, 02, ou 03, que é o Eduardo Bolsonaro, deu declarações inclusive dizendo que ficava envergonhado com os brasileiros que tinham entrado ilegalmente nos Estados Unidos. A respeito disso, o jornalista Guga Chacra, que mora em Nova Iorque e trabalha no O Globo, escreveu uma carta aberta a Eduardo Bolsonaro. Vou ler essa carta:
“Caro deputado Eduardo Bolsonaro,
Vi duas declarações suas neste fim de semana. Em uma delas, você diz que brasileiros que residem “ilegalmente” no exterior são uma “vergonha”. Discordo, como explicarei adiante, mas respeito o direito a opiniões divergentes e à liberdade de expressão.
Num vídeo que você publicou no YouTube tempos atrás, vi um outro Eduardo Bolsonaro. Um brasileiro, orgulhoso de ter trabalhado em uma rede de fast food na Flórida num verão de 2005, explicando as suas antigas tarefas diárias. Vi naquela pessoa a imagem de muitos imigrantes brasileiros que vieram para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor. Conheci centenas ao longo dos mais de 14 anos que vivo em Nova York, a não ser por um período no Oriente Médio.
Alguns destes imigrantes vieram legalmente. Não se trata de uma tarefa fácil. Primeiro, precisamos diferenciar quem tem permissão de residência permanente (green card) daqueles que têm os vistos temporários para trabalhar ou estudar. No primeiro caso, o do green card, há poucas opções:
Você pode se casar com um americano. Pais, filhos e irmãos também têm direito. O tempo varia e pode chegar a mais de 14 anos para conseguir residência se for pela via do irmão. Para filhos menores de idade, é automático.
A segunda opção seria a loteria do green card (sistema que sorteia 50 mil green cards anualmente para solicitantes originários de países com baixos índices de imigração nos cinco anos anteriores, com objetivo de diversificar a população estrangeira no território americano). Mas o Brasil não está incluído.
A terceira é para quem tem habilidades extraordinárias. Um cantor de sucesso, um artista renomado e um escritor, por exemplo. Vale para acadêmicos e outras carreiras também. É um processo árduo e complicado.
A quarta é a do investidor. Você precisa investir entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão, dependendo da região, em um negócio que gere empregos. Não é garantido que haverá retorno financeiro e sequer do dinheiro aplicado.
A quinta é quando uma grande empresa te patrocina. Neste caso, você já precisa viver nos EUA com um visto como o H1B (trabalho) ou L (expatriado). Esta empresa — normalmente grandes bancos e multinacionais — precisa provar que não tem nenhum americano ou residente permanente com a sua qualificação.
O H1B é o mais comum dos vistos de trabalho nos EUA. Vistos do tipo são sorteados todos os anos, e a maior parte das pessoas não consegue. Para que um candidato entre no sorteio, uma empresa (mais uma vez, grandes empresas como Google e Facebook e bancos como o JP Morgan) precisa patrociná-lo Não existe a possibilidade de solicitar um H1B sozinho.
Há outras vias também, como por meio do asilo político. O certo, no entanto, é que 99% ou mais dos brasileiros não têm condições de conseguir o green card. Podem, claro, tentar outros vistos. Para estudar, sempre é uma opção. Mas você não gera renda, apenas gasta.
Ao longo destes meus anos em Nova York, vi brasileiros com títulos de Master of Business Administration (MBA) concluídos na New York University e na Universidade de Columbia que tinham empregos em grandes instituições americanas, mas não foram sorteados no H1B e precisaram ir embora.
O visto L, de expatriado, é similar. Uma grande instituição com sede no Brasil e nos EUA pode te transferir para cá. Pense em um executivo da Ambev, por exemplo.
A maioria absoluta dos brasileiros, portanto, não se encaixa nestes vistos. Há outros ainda mais restritos, como o I e o O. Mas não entrarei nos detalhes porque se aplicam a poucas pessoas.
O restante dos brasileiros vem para cá e tenta conseguir empregos como construtores, passeadores de cachorros, babás e funcionários de redes de fast food. Quase todos, ao menos quando chegam, exercem estas funções irregularmente. Seriam trabalhadores “ilegais”, como diria Trump, que contratava vários deles para suas propriedades.
Eles trabalham exatamente como você fez no Popeyes em 2005. Não sei qual era o seu status imigratório. Você diz que veio estudar e trabalhar. Visto de estudante, normalmente, permite apenas que se trabalhe no campus da universidade.
Há programas de estágio associado ao estudo da língua inglesa, mas aparentemente no Popeyes não era o que você fazia. De qualquer maneira, não me interessa o status imigratório que você tinha. Sei que você, jovem, veio para os EUA e trabalhou. Se foi de forma regular, não sei. Mas admiro quem trabalha.
O que me parece, no entanto, é que você segue a linha de pensamento de que ilegais são criminosos que cruzam a fronteira do México com os EUA. Muitos são trabalhadores, inclusive do Popeyes. Basta fazer uma rápida busca no Google e você verá reportagens sobre a contratação destes imigrantes sem documentos por esta rede de fast food.
Eram pessoas que estavam ao seu lado na Flórida, que trabalhavam nesta lanchonete e, como você diz, complementavam com serviços para um pub à noite e em trabalhos de limpeza nos dias de folga.
Vale frisar, também, que a maior parte dos imigrantes chamados de “ilegais”, incluindo do Brasil, entra com visto de turista ou estudante pelos aeroportos e permanece no país após a expiração do período permitido pela Imigração.
Aliás, note que não é expiração do visto. Um turista brasileiro, com visto de dez anos, pode permanecer apenas seis meses nos EUA após a entrada. Se trabalhar, mesmo no período autorizado para ficar aqui como turista, estará em situação irregular (ou “ilegal”, como dizem). Caso permaneça mais de seis meses, trabalhando ou não, também estará irregular.
Tenho certeza de que você se solidarizaria com estes imigrantes brasileiros. São pessoas parecidas com o Eduardo Bolsonaro que trabalhou em 2005 no Popeyes. Conservadores e majoritariamente cristãos, a maioria deles votou em seu pai nas eleições presidenciais. Aliás, importante lembrar, embora estejam irregulares nos EUA, estes imigrantes podem votar normalmente nas eleições do Brasil porque continuam legais para a legislação brasileira. Basta se registrar no consulado.
Alguns deles te receberam de braços abertos em Boston e Nova York no passado, aos gritos de “mito” para o seu pai.
Abraços,
Guga”
Ouça o comentário de Cid Benjamin: