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Debate: 100 dias de governo Bolsonaro

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Nunca um ato falho teve tanto reflexo na realidade: 100 anos de governo Bolsonaro. A lista de retrocessos do país nesses pouco mais de três meses é tão grande que os 100 primeiros dias do ex-capitão do Exército na Presidência se assemelham ao atraso civilizatório de um século.

 

Para fazer um balanço parcial da atual gestão do Palácio do Planalto, o programa Faixa Livre convidou o sociólogo Léo Lince, o jornalista Oswaldo Maneschy e o diretor de imprensa da Federação de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Feteerj) e tesoureiro do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio) Antônio Rodrigues.

 

O acúmulo de decisões e declarações estapafúrdias, boa parte delas advindas do núcleo ideológico do governo formado essencialmente pelo ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves e por Ernesto Araújo, titular da Pasta das Relações Exteriores, além das pautas regressivas na economia, como a proposta de reforma da Previdência, caracterizam o mandato do ex-deputado federal de outra forma.

 

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Antônio Rodrigues

“Não se trata de um governo, mas de um desgoverno. São 100 dias de confusão generalizada. Em geral, todos os adjetivos voltados para a avaliação desse período estão relacionados a uma grande decepção e um quadro curioso porque muitos analistas têm dito que, pelo visto, é um governo que nem precisa de oposição”, comentou Lince.

 

Dentre os absurdos cunhados pela cúpula da administração federal, se destacam: “nazismo é um movimento de esquerda”, “não houve golpe, nem ditadura no Brasil em 1964”, “brasileiro parece canibal viajando”, “não existe universidade para todos”, “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”.

 

Além das polêmicas protagonizadas pelos nomes indicados pelo presidente para os cargos de primeiro escalão, o Palácio do Planalto sofre influência direta da genética: os filhos de Bolsonaro Flávio, Carlos e Eduardo – classificados como 01, 02 e 03 – assumem posições de destaque na conjuntura política, se expressando especialmente nas redes sociais em relação a temas ‘espinhosos’ e acompanhando o mandatário em suas viagens internacionais.

 

“Uma das características desses primeiros 100 dias é uma desavença imensa no interior do próprio governo. E aí não se trata só de analisar o papel do clã Bolsonaro, do capitão e dos seus filhos, de certa forma não precisa gastar muito a sociologia para analisar, basta ver as declarações, o tipo de posicionamento tomado ao longo do tempo por eles”, prosseguiu o sociólogo.

 

Os pareceres preconceituosos do governo e as iniciativas que atentam contra as classes mais empobrecidas têm incentivado a agressividade de uma parcela da população, de acordo com o representante do Sinpro-Rio, que utilizou o recente massacre em uma escola de Suzano como exemplo.

 

“A falta de transparência do processo eletrônico de votação do Brasil é uma coisa absurda. A impressão do voto eletrônico, para se auditar e fiscalizar, é simples” – Oswaldo Maneschy

 

“Estamos vivendo um momento de violência. um momento de transplante do que há de pior no mundo, de uma direita reacionária, conservadora e que chega ao nosso colo, algo que nós não estávamos habituados a reproduzir. A violência maior, no meu modo de ver, é contra os trabalhadores. De repente esse governo deu um ataque, parece ingênuo isso”, pontuou.

 

A vitória da ala conservadora nas urnas no último processo eleitoral, sob a sombra das fake news, levou para Brasília a cultura do ódio e uma tentativa de se reverter os avanços conquistados após o fim do regime militar.

 

“A sociedade brasileira está se tornando mais violenta. Tínhamos uma degradação da nossa sociedade por conta da desigualdade social. Fizemos a Constituinte de 1988 com um objetivo e essa turma da direita trabalha o tempo todo pela desconstrução de tudo que foi feito lá atrás. Esse trabalho de marginalização da população mais pobre do Brasil é de repente a reta final de um projeto muito mais antigo e que vem progressivamente sendo aplicado contra o povo”, avaliou Maneschy.

 

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Oswaldo Maneschy

No campo institucional, a extinção do Ministério do Trabalho logo no início do mandato de Bolsonaro chamou a atenção da opinião pública. O jornalista chegou a comparar as primeiras decisões do ex-capitão a uma gestão icônica do século passado:

 

“Esse governo fez o inverso de Getúlio Vargas. Quando ele entrou com a Revolução de 1930, criou o Ministério do Trabalho para dar uma situação melhor para o trabalhador brasileiro e criou também, logo de cara, o Ministério da Educação vinculando despesas orçamentárias, no inverso que o Paulo Guedes quer fazer agora, de desvincular o orçamento, fazer o que bem entende. Eles na verdade estão complementando o que começou no governo do Temer”.

 

Maneschy se refere à flexibilização das leis trabalhistas e à terceirização irrestrita, matérias aprovadas pelo último presidente, alvo de investigações de operações anticorrupção, chegando a ser preso recentemente.

 

“Geralmente me oriento no meu santo protetor na análise das conjunturas críticas que é Santo Antônio Gramsci, grande inimigo desses que hoje combatem o marxismo cultural, que, segundo eles, domina o mundo inteiro” – Léo Lince

 

A falta de trato com a coisa pública tem arruinado a avaliação do governo do ex-deputado federal por sete mandatos. Conforme números da pesquisa realizada pelo Atlas Político entre os dias 1º e 2 de abril, o percentual de brasileiros insatisfeitos com Bolsonaro já supera o índice de aprovação – 31,2% de ruim/péssimo contra 30,5% classificando como bom/excelente.

 

“Sempre que começa um governo novo há um momento de lua de mel entre a vitória e a posse, que fica todo mundo paparicando pra ver se arranja um cargo no governo. Não houve lua de mel e se analisarmos semana a semana praticamente a cada dia a cidadania se choca com algum fato novo espantoso”, destacou Lince.

 

O sociólogo mostrou-se descrente quanto ao futuro do país, motivado não apenas pela incompetência de Jair Bolsonaro, mas levando em conta a luta de classes que permanece latente na sociedade brasileira. Todavia, tal característica pode também demarcar o início da superação.

 

“O Ministério da Educação tem de ser tratado como política de Estado, não como política de governo” – Antônio Rodrigues

 

“A única coisa que podemos afirmar com absoluta certeza é que a crise vai se agravar. Todas as crises, econômica, social, ética, a crise da representação política exatamente porque, por uma confluência de fatores, se produziu um resultado eleitoral que levou à vitória um político vinculado à ultradireita, com características protofascistas. Os conflitos que existem na realidade social continuarão existindo e a perspectiva de se construir alternativas a partir de uma lógica contra-hegemônica é exatamente trabalhar com os conflitos que existem. A possibilidade de recompor uma ação política capaz de superar a situação se dá a partir de um encontro de causas”, destacou.

 

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Léo Lince

Já a atuação da grande imprensa diante dos episódios suspeitos levantados contra o presidente e seu partido não convence o jornalista. Maneschy lembrou que alguns veículos demonstram apoio ao ex-capitão desde a campanha eleitoral.

 

“O papel da mídia é absolutamente criminoso de aboiar a nossa população para o que não interessa. Esse governo tem tudo a ver com essa mídia, que encheu a bola do Bolsonaro o tempo todo. A mídia não está em cima dos fatos, não está cobrando a questão do laranjal, do Queiroz. A censura hoje é ideológica, onde os meios de comunicação concedidos só atendem um lado. Temos pouquíssimos espaços na opinião pública para discussão verdadeira e profunda dos problemas brasileiros”, lamentou.

 

Ainda que o panorama seja desfavorável, os debatedores convocaram a união da sociedade civil em torno dos temas que interessam à população menos favorecida.

 

“Apesar de tudo, a luta continua. Não podemos esmorecer. As perspectivas são de muita luta em favor das nossas bandeiras, das nossas convicções, contra o Estado mínimo que estão a todo custo tentando implantar, temos de colocar isso na rua. Querem o Estado mínimo, com saúde mínima e educação mínima para os mais pobres, e o Estado máximo em favor do capital, do latifúndio, do lucro”, encerrou Rodrigues.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

 

Debate em 05.04.2019

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