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O horizonte que se impõe à população brasileira aponta para uma tragédia anunciada pela inabilidade política e falta de capacidade intelectual de Jair Bolsonaro: um caos social provocado por medidas restritivas ao acesso dos mais empobrecidos a bens de consumo essenciais para a sobrevivência.
E como podemos reverter essa lógica? O programa Faixa Livre convocou para debater os caminhos e descaminhos do governo o professor de pós-graduação em Ciências Políticas da Universidade Federal Fluminense (UFF) Eurico Figueiredo, o vice-presidente do Instituto da Brasilidade Carlos Monte e o historiador e dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Hiran Roedel.
O quadro atual pode ser compreendido a partir da análise do movimento iniciado com as manifestações populares em 2013, convocadas para contestar o aumento de R$ 0,20 das passagens de ônibus, mas que acabaram englobando pautas fomentadas por empresários e pela grande imprensa.
“A eleição do Bolsonaro faz parte de um processo que vem se construindo e chega em 2018 com grandes condições de ser posto em prática. É o projeto neoliberal, o desmonte do Estado que está sendo viabilizado agora de forma muitas vezes truculenta, mas com o envolvimento do Judiciário, do Legislativo e com, infelizmente, a participação de 58 milhões de brasileiros que apostaram em um discurso fraudulento. Não se aperceberam que é o desmonte do Estado para a classe popular, para os pobres, para os mais necessitados”, citou Roedel.
O professor lembrou que não apenas a parcela da população de elevado poder aquisitivo, capaz de buscar alternativas aos serviços oferecidos pelo Estado, fez com que o ex-capitão do Exército chegasse ao Palácio do Planalto, mas as classes D e E foram de alguma forma cooptadas por discursos enganosos e pela influência de grupos paramilitares, especialmente na capital fluminense.
“Para uma parcela da classe média, que vive de rendas, o Estado está até bem porque você pode resolver no plano econômico com a independência do Banco Central, a educação pública não lhes afeta muito porque eles vão para outras universidades ou até para o exterior, eles têm seus planos de saúde, então quem é realmente afetado é a classe popular que infelizmente teve a velha prática do voto de cabresto aqui no Rio de Janeiro. Tivemos notícias gritantes do envolvimento desse processo eleitoral com os milicianos, inclusive de intimidação da população em diversas favelas que se não votassem nos candidatos da extrema-direita encabeçados pelo Bolsonaro, teriam consequências sérias”, revelou.
“Com essas medidas de alinhamento com os Estados Unidos, Bolsonaro está perdendo a possibilidade de incentivar a produção agrícola e de carne brasileira em vários mercados” – Carlos Monte
Há numerosas vozes que levantam a tese de que Bolsonaro foi eleito a partir de um estelionato eleitoral, com a propagação em massa de notícias falsas, as fake news, a aceleração do processo judicial duvidoso que levou à prisão o ex-presidente Lula, candidato e até então líder nas pesquisas para a Presidência, entre outras irregularidades. No entanto, os partidos ditos progressistas não encamparam este argumento perante a Justiça.
Aliás, a falta de um discurso uníssono entre as principais legendas de oposição deu a tônica do debate. O isolamento parlamentar, expressado pelo apoio do PCdoB e do PDT à reeleição do governista Rodrigo Maia para a Presidência da Câmara, virou motivo de lamentação.
“Notamos do lado da oposição uma incapacidade muito grande por diversos motivos para reagir e apresentar uma contraproposta que seja factível no plano do tempo, e o tempo é curto. Isso implica, por parte daqueles que querem reagir a esse governo, a necessidade de montar uma frente única que seja capaz de, na diversidade das diversas unidades que vão compor essa frente, detectar pontos que sejam capazes de unir”, pontuou Eurico.
A polarização criada entre petistas e pedetistas nas últimas eleições, que culminou com a ausência de uma declaração formal de apoio de Ciro Gomes a Fernando Haddad no segundo turno contra o candidato do PSL, segue dificultando o diálogo no campo progressista.
“O que tínhamos de estar fazendo, e a esquerda devia tomar consciência disso, é uma unidade maior que suplante a simples questão corporativa, da sigla, e passar a se discutir efetivamente que sociedade nós estamos querendo, e não simplesmente fazer uma emenda aqui, uma emenda ali e vamos melhorar. Não vai melhorar. Como se diz no bom e grosso popular, o buraco é mais embaixo”, prosseguiu Hiran.
Com o intuito de buscar o entendimento entre as forças do espectro político de esquerda e a criação de uma pauta unitária, o Instituto da Brasilidade começou a promover uma série de seminários – serão 36 apenas este ano – com intelectuais, técnicos e professores tendo como meta o segundo centenário da independência do Brasil, que será celebrado em 2022.
Ao final do ciclo, será produzido um documento que terá o papel de subsidiar a construção de um projeto nacional de desenvolvimento.
“O PT meteu a mão na sujeira, fez o jogo que as elites sempre fizeram por dentro de uma concepção de Estado patrimonialista, onde o Estado é um grande balcão de negócios para eles e não quiseram mudar isso, muito pelo contrário” – Hiran Roedel
“A gente está procurando trabalhar no sentido de promover um encontro entre essas forças de oposição e que elas possam se organizar. Há uma dificuldade de definir a liderança dessas forças ou quais as lideranças que devem conduzir. O PT quer liderar essa força como sendo o partido que mais teve votos, esperançoso na possibilidade de o Lula voltar a uma atividade profunda e que, com isso, possa retomar essa liderança. Outros partidos querem ocupar esse lugar, especialmente a liderança que na eleição foi representada pela votação obtida pelo Ciro Gomes. A esquerda está consciente dessas questões”, avaliou Monte.
No horizonte da construção de uma unidade progressista que possa contar com o apoio das ruas está o desgaste que o presidente da República já começa a apresentar com pouco mais de três meses no cargo.
“Há de se trabalhar também aproveitando as situações que ocorrem em relação ao governo Bolsonaro, que foi eleito com uma votação expressiva. Ele já está perdendo popularidade. Embora essas correntes que o apoiaram ainda tenham entre si certa homogeneidade, elas pouco a pouco começam a divergir porque o resultado não é aquilo que se espera, e basicamente ele não está fazendo nada pelas classes populares”, continuou o vice-presidente do instituto.
“A esquerda tem de ser mais firme. O pobre quando se elege tem de ser ainda melhor porque está remando contra a maré, não pode decepcionar aquele de onde ele vem” – Eurico Figueiredo
A falta de apoio na cúpula governista começa a se refletir na ala militar, conforme o cientista político Rudá Ricci declarou ontem ao Faixa Livre. Já existem correntes nas Forças Armadas que articulam o afastamento de Bolsonaro e seus filhos da Presidência.
Contudo, resta saber o atual nível de comprometimento dos militares com a ordem democrática no caso de uma saída do ex-capitão do Exército do cargo.
“O neoliberalismo pode se dizer democrático sem alterar grandemente as instituições e aumentar a repressão. A democracia burguesa não prescinde da não violência contra a população. Alguns desses generais já discutiam em 2018 uma nova concepção do que é terrorismo dentro da lei antiterrorismo que foi aprovada no governo Dilma, ou seja, você amplia de tal forma a concepção para aplicar uma lei. Continuamos o regime democrático, continua se elegendo os governantes, os parlamentares, mas a concepção de terrorismo mudou. O papel dos militares passa a ser fundamental nesse viés porque eles são o braço armado desse modelo”, lembrou o historiador.
O político do PSL afirmou em cerimônia no Palácio do Planalto, na última quinta-feira (11), ter cumprido uma lista de 35 metas estabelecidas para os primeiros 100 dias de gestão. Os dados, no entanto, foram contestados pela opinião pública.
“Ele não está fazendo nada pelas classes populares. Em relação ao emprego, por exemplo, não há nenhuma medida tomada. Acho que essa tem de ser uma das bandeiras fundamentais, lutar para mostrar que isso não está sendo atendido. Os grandes itens dessa pauta do governo Bolsonaro têm a ver com interesses das classes dominantes, especialmente do setor financeiro”, destacou Roedel.
Ouça o debate na íntegra:
Debate em 12.04.2019