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A histórica ideia de guerra de classes na sociedade brasileira, desmistificada durante os governos petistas em uma tentativa de imposição de um projeto conciliatório, tornou-se latente após o golpe que destituiu Dilma Rousseff. A predominância dos detentores do capital diante de setores populares que impõem pouca resistência cria a urgência de uma reação organizada para que o país acerte as contas com seu passado e presente de desigualdade.
Mas como tirar o conceito de revolução brasileira do campo retórico e colocá-lo em prática a partir de uma realidade em que a compreensão ideológica das massas sequer tangencia a necessidade de desconstrução da dialética rentista de dominação?
Para responder essa e outras questões, o Faixa Livre realizou um debate especial com a presença da professora de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Angélica Lovatto, o professor de filosofia Luiz Carlos de Oliveira e Silva e o economista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Heitor Silva.
Confira abaixo alguns dos principais temas debatidos no programa:
SOBERANIA NACIONAL
Angélica Lovatto: “A ideia principal é romper um dado silêncio contra aquilo que chamamos de um Brasil real, expressão que surgiu no pré-1964. Diante dos desafios atuais do governo Bolsonaro e tudo que tem aparecido como uma derrota dos trabalhadores de uma perspectiva da esquerda, precisamos no mínimo questionar e na sequência romper com aquilo que a gente vem chamando de uma historiografia do silêncio contra os trabalhadores brasileiros, ou seja, aquilo que é a história real dos trabalhadores reais do Brasil, que estão construindo através da super exploração da força de trabalho.
Estamos dizendo das pesquisas, dos estudos produzidos e de uma transformação que vejo como sendo a mais difícil para nós e que precisamos superar: estamos com uma espécie de momento brasileiro que dividiu demais nossas forças e esterilizou o conceito de revolução. Porque até 1964, ou seja, antes do golpe militar, se falava tanto em um projeto de revolução brasileira e por que depois isso ficou abandonado?
Não é apenas pelo processo em si ditatorial, que exilou, matou, prendeu, torturou uma série de brasileiros e colocou para fora do Brasil, quando não prendeu, aqueles que construíam um projeto de país que estava grávido de revolução, havia uma efervescência cultural, econômica, política. O mundo estava dividido em dois blocos, um primeiro mundo industrializado, capitalista, e um segundo mundo que desenvolvia uma experiência socialista. E o terceiro mundo como denúncia da pobreza estava em disputa, e o Brasil dentro desse bloco era o que estava mais industrializado por um projeto varguista.
Vargas não foi nenhum comunista, defensor dos trabalhadores, ele perseguiu os comunistas, prendeu Prestes, mandou a Olga Benário para fora, mas ele representa aquela impossibilidade, na qual ele acreditava, de uma burguesia brasileira que pudesse ser autônoma”.
Heitor Silva: “A burguesia brasileira nunca teve um projeto de nação, mas Getúlio tinha. Ao final da Segunda Guerra, Getúlio cria toda uma estrutura que iria alavancar o processo industrial no Brasil. Ele tinha uma visão de um Brasil como uma potência que pudesse ser igualar aos países industrializados e a burguesia nacional nunca participou, ela sempre quis ser uma grande associada desde o café. Nós produzíamos o café, mas o preço era determinado na Bolsa de Chicago. Isso se resolve com uma grande associação, temos sempre uma posição subordinada, no máximo criávamos um sub-imperialismo sobre os países da América do Sul, uma dependência de Paraguai e Uruguai em relação ao Brasil, mas é esse o quadro que acaba se resolvendo em 1964”
CONTEÚDO DA REVOLUÇÃO
Luiz Carlos: “Eu vejo um esforço de uma retomada crítica do legado varguista, legado esse que foi espezinhado pela sociologia uspiana, Vivemos um debate ainda que rico no final dos anos 1950 e 1960, mas que acabou dando a vitória a um setor que causou danos e somos herdeiros desses danos, que foi o recalque das questões de fundo da nossa sociabilidade. Se pegássemos o discurso de despedida de Fernando Henrique [Cardoso] do Senado um mês antes de tomar posse do seu primeiro mandato [presidencial], ele disse que no Brasil a questão não era mais superar o subdesenvolvimento, e sim as desigualdades, que era preciso virar a página do varguismo.
Essas duas coisas estão implicitamente imbricadas, essa compreensão de que é preciso virar a página do varguismo porque seria um projeto de superação do subdesenvolvimento, que já havia sido superado. Eram necessárias políticas de transferência de renda, inclusão social e isso acabou se impondo na cena política brasileira, o que provocou o recalque do que chamo de questões de fundo. Esse esforço é muito louvável na medida em que tenta resgatar o debate que foi abruptamente interrompido pelo golpe, pelo sistema político formado pela polarização. Temos um déficit de discussão de uns 50 anos que o Brasil não discute o Brasil.
O campo de forças que devemos articular é formado por setores do pequeno e médio empresariado, por trabalhadores, pelo povo em geral, mas sob a bandeira nacional, popular e democrática. A bandeira do socialismo não unifica, não mobiliza”.
Angélica Lovatto: “Somos um grupo socialista que está propondo uma revolução brasileira, ou seja, não estamos propondo uma mediação, uma radicalização democrática, uma rebeldia, estamos falando fundamentalmente da luta de classes. Há uma guerra de classes em curso no país, que vem desde quando o Brasil se coloca no processo de acumulação primitiva de capital. Então construir a revolução brasileira hoje resgatando o que há de melhor fundamental no pré-1964, que de fato é o comunismo, o nacionalismo, mas propomos uma revolução socialista ao comunismo.
Desse ponto de vista nós superamos o trabalhismo. Só que entendemos essa historiografia do pós-1964 destruiu o nacionalismo e o colocou como se fosse só um legado da direita. O que estamos reivindicando é um resgate do papel da nação, da soberania nacional, do nacionalismo com as discussões do socialismo. Discordo completamente que para conquistarmos nossa independência, superarmos a superexploração do trabalho, o caminho apenas da mediação democrática seja suficiente”.
PAPEL DA POLÍTICA INSTITUCIONAL
Heitor Silva: “O que caracteriza o sistema petucano é quando a gente fala de República rentista, estamos falando de uma situação que leva o Brasil hoje a ter o presidente da Fiesp que não tem Indústria. Isso só é possível porque está ancorado em uma dívida pública, a burguesia brasileira abriu mão de indústrias em troca de ganhar dinheiro operando títulos da dívida pública, isso apazigua a saída da burguesia brasileira da frente de capitães de indústria para virarem sócios do setor financeiro.
Isso explica também reforma da Previdência e aquela medida constitucional que proíbe aumento de investimentos em gastos sociais durante 20 anos porque você precisa a carrear cada vez mais recursos que são pagos com nossos impostos para manter essa paz da burguesia brasileira. Então esse bloco será constituído exatamente nisso. Quando estamos na rua falando contra a reforma da Previdência, ela é necessária porque tem de sustentar esse pessoal que está ancorado na dívida pública”.
Luiz Carlos: “O Ciro [Gomes] é uma expressão da centro-esquerda, ele é face mais consequente do petismo. O Ciro disputa com o PT esse lugar de centro-esquerda, sendo que o lugar da esquerda está vago, a única expressão mais importante visível e que articula forças na esquerda são as lutas por reconhecimento, por aceitação, assim chamadas lutas identitárias. É uma bitola muito estreita, sem aceitação, por isso o Nildo Ouriques e os companheiros da revolução brasileira cumprem uma função importantíssima que é de trazer no campo da esquerda as questões de fundo que foram abandonadas nesse pacto de silêncio imposto pela polarização PT- PSDB.
O Ciro é um dos responsáveis por trazer à baila as questões da economia, e ele faz isso com muita competência, o problema é que nós precisamos articular um amplo campo de forças políticas para contrapor ao processo de desmonte em curso porque se ele for levado a cabo, entraremos em outro país que não temos noção dele e vamos precisar de energias que nunca foram mobilizadas contra dessa destruição”.
CLASSE OPERÁRIA
Angélica Lovatto: “O esforço da revolução brasileira é entender a realidade como concreto pensado. O Marx diz que ser radical é tomar as coisas pela raiz. Não podemos nos dar ao luxo de não ir à raiz do que é a classe operária, e ele diz em “O Capital” que a classe operária é o setor mais avançado do seu tempo na produção da existência humana, ou seja, na manipulação dos meios de produção que no caso do capitalismo está sob propriedade da burguesia.
Se fôssemos pensar na radicalidade disso, o trabalhador mais avançado do seu tempo para o Marx é o operário que vai fazer a revolução, na linha do desenvolvimento desigual e combinado, que o capitalismo inclui todo mundo na mesma exploração, esse trabalhador mais avançado do nosso tempo hoje seria o cientista, aquele que produz o que será a ideia mais avançada do seu tempo, e o capitalismo foi ‘excluindo’ do processo de trabalho como trabalhador empregado. A nossa concepção já está fragmentada na raiz da classe operária”.
Ouça o debate na íntegra:
Debate em 26.04.2019