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Os ataques da administração de Jair Bolsonaro à educação pública se proliferam em progressão geométrica. Ao contrário do que prega o governo, os prejuízos advindos das medidas de contingenciamento de verbas e as investidas a uma suposta ideologização nas escolas atingem não só o ensino superior, mas também os níveis médio e básico.
Na tentativa de interromper o desmanche, os docentes e profissionais das instituições, contando com o apoio de pais e alunos, vêm se manifestando pontualmente nos últimos dias. Para amplificar ainda mais o discurso, a categoria convocou uma paralisação para a próxima quarta-feira (15), denominada Dia Nacional de Luta.
O programa Faixa Livre resolveu para debater as mobilizações contra as iniciativas do ex-capitão do Exército que colocam em risco a educação no país. Para isso, estiveram presentes ao estúdio a diretora da Associação de Docentes da Universidade Federal Fluminense (Aduff) Adriana Penna, o presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio) Oswaldo Telles e a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
A ‘gota d’água’ para uma ação efetiva dos professores em nível nacional se deu após o Ministério da Educação anunciar um chamado ‘corte linear’ de 30% das verbas destinadas às universidades e instituições federais de todo país. No entanto, o contingenciamento ultrapassa 50% em alguns casos.
Uma das atingidas pela medida, a comunidade acadêmica da UFF protagonizou na última quarta-feira (08) um ato pelas ruas de Niterói em desagravo à gestão de Bolsonaro como um ‘esquenta’ para os próximos eventos.
“O dia 8 passado demonstrou a força e a clareza que todos temos de que é necessário ocupar as ruas. Foi um aperitivo para o que certamente será o dia 14 de junho [greve geral] quando a classe trabalhadora desse país vai se organizar para ir às ruas e dizer aquilo que a gente pretende dar como rumo nesse país. O ataque à Universidade Federal Fluminense significa um ataque a toda população de Niterói, significa impedir o desenvolvimento de conhecimentos fundamentais ao atendimento de parcelas importantes da classe trabalhadora que têm acesso”, destacou Adriana.
O processo de luta pela manutenção do ensino público de qualidade tem levado aos movimentos uma categoria que andava afastada das disputas políticas no país: os estudantes.
“Quem mais sofre com isso é a juventude, por isso eu acredito que quem vai levantar a bandeira do enfrentamento maior é essa juventude que está estudando, que quer trabalho. Fizemos uma plenária na segunda-feira convocando todas as entidades no sindicato e havia uma imensidão de estudantes. Isso não me surpreende porque estamos conversando com as pessoas na rua. O dia 15 será uma demonstração de dignidade, de luta pela igualdade, pelo respeito”, avaliou o dirigente do Sinpro-Rio.
“Esse enfrentamento político tem de ser feito nas ruas, com debate na sociedade, com seu vizinho, no bar. Esse é o caminho” – Oswaldo Telles
Graduada em letras, ex-professora e servidora da Universidade de São Paulo (USP), Sâmia Bomfim foi eleita em 2018 para seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados para fazer a defesa, em especial, da pauta da educação. O tema, aliás, tem tomado conta das discussões em Brasília.
Em sinal de protesto ao alegado congelamento de recursos pelo Governo Federal, partidos de oposição entraram em estado de obstrução no Congresso, impedindo a votação de qualquer matéria até que o ato seja revisto.
“Essa medida tem tudo a ver, na verdade, com uma caracterização geral do governo, que é ultraliberal na economia e reacionário nos costumes. Você ataca diretamente as universidades, principalmente essas que nos últimos anos expandiram e democratizaram seu acesso com mais estudantes oriundos da classe trabalhadora, negras e negros, com políticas de permanência estudantil”, lembrou a parlamentar.
De acordo com dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) referentes a 2014, 66,19% dos estudantes das universidades federais têm origem em famílias com renda média de 1,5 salários mínimos, o que as configura nas classes D e E da população.
“As universidades e as escolas são espaços de reflexão crítica, de participação política, afinal de contas o que seria da nossa ciência, nossa produção científica se os jovens não pudessem refletir, questionar? Nossa defesa é para que as universidades tenham um caráter cada vez mais democrático, mais popular, então tem tudo a ver atacar as universidades para atender a uma demanda do mercado”, prosseguiu Sâmia.
O anúncio das ações governamentais para desqualificar o ensino público coincide com o aumento do interesse da iniciativa privada na educação no país, representados em especial por grupos como Krotton, Estácio, Unip e Laureate, em um claro processo de privatização.
“Nos últimos anos estivemos muito preocupados com o ‘escola sem partido’, com o patrulhamento ideológico dentro das escolas. Hoje vejo que o ‘escola sem partido’ não avança enquanto projeto político” – Sâmia Bomfim
Não por acaso a irmã do ministro da Economia Paulo Guedes, Elizabeth Guedes, é vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup).
“A educação há muito tempo tem sido um setor no qual monopólios têm tentado se aproximar, têm sido, digamos assim, a cereja do bolo. Há a grandes grupos de interesse para colocar as mãos nesse setor e, sobretudo, vêm se fortalecendo por conta de políticas que facilitam esse acesso de desmonte. O que estamos assistindo é uma versão nova desses ataques que já assistimos há algum tempo sobre a educação pública”, argumentou a dirigente da Aduff.
“Esse é um projeto que não começou hoje, esse setor vem crescendo no Brasil. O Fies [financiamento estudantil] foi importante, mas esses grupos se aproveitaram desse dinheiro grande do governo, que possibilitou a eles crescerem mais ainda. Na educação superior isso é fato já há muito tempo, está consolidado, agora eles estão vindo também para a educação básica, você vê vários grupos financeiros comprando escolas, investindo. A fatia que eles têm mais interesse é o dinheiro público, a privatização da educação”, complementou Oswaldo.
As iniciativas do governo no campo financeiro vêm acompanhadas do discurso de que as universidades promovem ‘balbúrdias’ e são ‘antros de esquerdistas’. As palavras do presidente e de seus ministros acabam provocando reflexo nas salas de aula.
“O governo fala em qualidade da educação, mas tenho clareza que a qualidade a que o ministro se refere é para formar profissionais que atendam exclusivamente às imposições do mercado” – Adriana Penna
Recentemente Jair Bolsonaro divulgou em suas redes sociais o vídeo de uma aluna filmando a professora durante uma intervenção, alegando que haveria uma ‘doutrinação’. Após o episódio, surgiu a informação de que a autora da filmagem é secretária-geral do PSL, partido do ex-deputado federal por sete mandatos, em Itapeva, no interior de São Paulo.
“O que está sendo feito na Academia brasileira, com os professores no dia-a-dia em sala de aula, seja no ensino público ou no privado, é um absurdo, há perseguições diversas. A pressão muitas vezes não é da escola, mas dos pais dos alunos que não respeitam que a sala de aula é um espaço democrático de discussão. É assim que crescemos e é assim que vai continuar. Há alunos com pensamentos mais à direita e mais à esquerda e o respeito a todos é fundamental”, lembrou o presidente do Sinpro-Rio.
A cúpula do Palácio do Planalto já sinalizou o interesse na elaboração de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para promover a desvinculação geral do orçamento. O projeto retiraria do texto constitucional a obrigatoriedade de investimento mínimo da União – 18% das receitas dos impostos- em educação.
Os objetivos do governo com a medida seriam reformular o pacto federativo e distribuir mais recursos a estados e municípios. Entretanto, não é assim que interpreta a deputada do PSOL.
“Paulo Guedes anunciou esse desejo ao mesmo tempo em que o projeto da reforma da Previdência começou a tramitar na Câmara. Não sei se é uma forma de dar algum aceno ao mercado tendo em vista a inabilidade que o governo tem até agora de levar adiante a reforma ou se é de fato algo concreto que em breve pode chegar ao Congresso. É gravíssimo porque significa a não obrigatoriedade de investimento em áreas que são essenciais para a formação dos cidadãos, para o desenvolvimento do país, e pior, a perda da educação, da saúde e da assistência social enquanto direito. Fere completamente o pacto social estabelecido na Constituição de 1988”, alertou Sâmia.
Ouça o debate na íntegra:
Debate em 10.05.2019