Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:

Debate: Decreto do porte de armas

Compartilhe:
debate_17_05_19_1170x530

É notório que o clima de insegurança tem se acirrado, em especial, nas grandes metrópoles do país. As ocorrências de casos de violência urbana aumentam a cada dia e a população clama por uma solução dos poderes instituídos. Enquanto os estudiosos em segurança pública relacionam o quadro de hostilidade à crise econômica e social que atinge o Brasil, o presidente Jair Bolsonaro enxerga como solução facilitar o porte de armas de fogo a cerca de 20 milhões de pessoas.

 

A medida estabelecida pelo ex-capitão do Exército virou alvo de críticas quanto à sua eficácia e, principalmente, à sua constitucionalidade. Afinal, aumentar a circulação de revólveres e pistolas nas zonas urbana e rural motiva a queda dos índices de violência?

 

Vinicius George

Vinicius George

O Faixa Livre resolveu convidar para discutir esse tema pelo aspecto legal o advogado constitucionalista e professor de Direito Público da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Bernardo Campinho; no âmbito da segurança, o delegado de Polícia Civil Vinicius George; e no contexto social, o antropólogo e diretor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (UFF) Lenin Pires.

 

O decreto nº 9785, assinado na última semana revogando o texto nº 9685 do próprio Bolsonaro, editado em janeiro deste ano, estabelece a autorização para o transporte de armas fora da residência a uma série de categorias profissionais, entre elas advogados, jornalistas e caminhoneiros, e aos residentes no campo. A modalidade de estabelecimento das novas normas é o primeiro ponto questionado por especialistas.

 

“O decreto é uma inconstitucionalidade do início ao fim, mas vou me concentrar em três pontos fundamentais: há uma violação do princípio da legalidade e o presidente exorbita do seu direito de baixar decretos para regulamentar as leis. Ele ofende a separação de poderes e a legalidade ao mesmo tempo. Isso remete até o período que antecedeu a ascensão de Hitler na Alemanha, nos anos 1920. O presidente alemão, sob a justificativa de segurança, manutenção da ordem pública, expedia decretos para suspender as garantias constitucionais”, pontuou Campinho.

 

“Precisamos reafirmar nossas crenças e viver civilmente numa sociedade de diferentes, mas não de desiguais” – Lenin Pires

 

“Um segundo ponto em que você empodera excessivamente, de forma desproporcional, certas categorias, como armar os proprietários rurais, dar um poder muito amplo a pessoas ligadas a forças de segurança porque até mesmo um servidor aposentado das forças policiais passa a ter porte de arma, e tem um terceiro que é a própria corrosão do sistema de proteção à infância e adolescência. O decreto tem não só essa ‘militarização’ dos agentes socioeducativos por meio do porte de arma, mas na prática converte o sistema que em tese deveria ser diferente do sistema penitenciário numa prisão juvenil, como também um dos responsáveis passa a ter poder de inscrever seu filho no clube de tiro e a criança pode manusear armas”, prosseguiu o advogado.

 

A tese é corroborada pelo professor da UFF, ao ressaltar o discurso de Bolsonaro durante a campanha eleitoral em defesa de uma lógica que inverte o conceito de ordem pública determinado desde a redemocratização.

 

“Temos um momento muito delicado na história do Brasil onde o Presidente da República estabelece uma forma de governar onde a lei não é um parâmetro, ou seja, todo esforço feito pelo país nos últimos 40 anos de estabelecer uma ética com base em normas vem sendo colocado para escanteio. Não interessa a ética, mas a moralidade de um pequeno grupo que é intolerante, fundamentalista e quer apresentar uma forma de governar onde estabelece seu ponto de vista como o parâmetro a ser seguido e depois as instituições que corram atrás”, comentou Lenin.

 

“Esse tipo de política de ampliação do porte pode favorecer o feminicídio e de alguma forma tudo isso fica à margem porque Bolsonaro se coloca no papel de soberano no sentido daquele que pode decidir sobre a vida e a ordem” – Bernardo Campinho

 

A discussão sobre a legalidade do ato, aliás, já chegou às esferas judiciais. O Ministério Público Federal apresentou uma ação à Justiça Federal na última terça-feira (14), pedindo a suspensão integral do texto. Além disso, o Legislativo é outro poder que se debruça sobre o tema.

 

Lenin Pires

Lenin Pires

Os senadores articulam a votação na próxima semana de projetos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que anulam os efeitos do decreto das armas. As propostas foram apresentadas por parlamentares do Cidadania, da Rede e pela bancada do PT. O próprio presidente da Câmara Rodrigo Maia já expressou seu descontentamento com a edição da medida, alegando sua incongruência com a Constituição.

 

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi uma das entidades que mostraram preocupação com a assinatura do decreto, alegando uma tentativa de se ‘driblar’ o Estatuto do Desarmamento.

 

“Esse decreto não tem nenhum impacto na segurança pública, é um teatro político do Bolsonaro para sua base, ele sabe muito bem da evidente ilegalidade, inclusive subtraindo as atribuições delegadas pelo Congresso ao Exército e à Polícia Federal. O legislador quando fez isso, em 2003, não delegou à chefia do Executivo exatamente para não deixar essas decisões no âmbito político governamental, colocou no âmbito técnico institucional numa lógica de Estado. O Bolsonaro depois de quase 30 anos no Congresso conhece muito bem isso”, comentou George.

 

Um dos homens fortes do Governo Federal, o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, notório entusiasta do recrudescimento da legislação penal, afirmou que não foi consultado pelo presidente antes da decretação da ampliação do porte de armas.

 

“A relação da indústria armamentista com a política é antiga, desde quando os financiamentos eleitorais eram permitidos pela legislação. Essa relação  ainda existe e há também o interesse do mercado” – Vinicius George

 

Na expedição do texto, Bolsonaro desconsiderou a necessidade de pareceres de órgãos técnicos da administração federal, ato comum neste tipo de situação. O estabelecimento de políticas públicas de salvaguarda individual da população em detrimento de disposições que possibilitem a inclusão social foi analisado pelo advogado constitucionalista.

 

“As duas coisas são cooriginárias. Claro que políticas sociais, educação de qualidade podem gerar condições de, no médio, longo prazo, você ter uma sociedade mais pacífica, com menos crime, mas você precisa também de boas políticas de segurança pública, que é direito do cidadão e dever do Estado, embora o filho do presidente tenha dito que a polícia não tem obrigação de proteger a sua casa, que você mesmo proteja”, avaliou.

 

bernardo_campinho_1“Isso repercute de forma exata o discurso dos ultraconservadores norte-americanos que dizem ‘vamos dispensar o intermediário inútil, se o ladrão entrar na sua casa, você não vai ter tempo de chamar a polícia, tenha sua arma e atire na primeira pessoa que violar sua propriedade’. Há uma perversão nessa ideia de segurança para reduzi-la que é individual, egoística e à margem das instituições”, continuou Campinho.

 

Os debatedores lembraram que as ações restritivas do titular do Palácio do Planalto não são isoladas. Elas vêm ganhando eco nas gestões estaduais, como o exemplo recente de Wilson Witzel no Rio de Janeiro.

 

“O que interessa é que existe uma naturalização da morte, ela vem sendo trabalhada ritualisticamente e há uma disputa em torno dessa nova forma de lidar com essa soberania. O que o governador do estado fez há duas semanas, de subir em um helicóptero para atirar em uma população em Angra dos Reis é parte disso. E há um conceito sobre isso, é a chamada necropolítica, você não tem mais uma perspectiva de soberania voltada para promover a vida, o bem estar, o que você quer é eliminar fisicamente aqueles que considera indesejáveis e chamar a população para se engajar nesse modelo de segurança pública”, alertou o antropólogo.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

 

Debate em 17.05.2019

Deixe seu comentário:

Apoie o Faixa Livre:

Apoie o Faixa Livre:

Baixe nosso App

Baixe nosso App

Programas anteriores