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As manifestações de domingo último mostraram muito bem que Jair Bolsonaro estabeleceu uma linha direta entre as suas posições e uma base de apoio que diretamente lhe atende. É importante destacar que essas manifestações, além de terem contado até mesmo com um certo vacilo do próprio presidente da República em determinado momento, ele que inicialmente havia estimulado essas manifestações, posteriormente, em meio à semana, claramente ensaiou um recuo para, logo depois, retomar, principalmente através dos tweets do seus filhos, a ofensiva a favor dessas manifestações que acabaram tomando um caráter de forte protesto inclusive contra Rodrigo Maia, contra Dias Toffoli, que hoje, curiosamente, estarão reunidos com Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Tudo para discutir a conjuntura do país e a pauta de interesses do Palácio do Planalto que são essas contrarreformas que atacam claramente a Constituição, a própria ideia de o Estado brasileiro ser promotor e protagonista de algum processo de desenvolvimento econômico e social aqui no país. Mas voltando a essa situação gerada com as manifestações, estas não foram suficientemente grandes para assustar os poderes constituídos com as posições estapafúrdias defendidas pelo clã Bolsonaro, mas, por outro lado, não foram suficientemente pequenas para que possamos dizer que Bolsonaro encontra-se isolado.
Muito pelo contrário, apesar da ausência de organizações que o apoiaram na sua corrida à Presidência da República, tipo o MBL, o Vem pra rua, o fato é que Bolsonaro conseguiu botar um número de manifestantes importante, principalmente em algumas capitais, como aqui no Rio e em São Paulo, e isso evidentemente dará maior força para que ele continue nesse caminho de procurar questionar principalmente o Centrão frente às pressões que naturalmente as negociações no Congresso acabam forçando.
Existe uma expectativa dessa base bolsonaristas de que quanto mais poderes se der ao Palácio do Planalto e, particularmente, o próprio Sérgio Moro, hoje inclusive há uma votação importante no Senado onde membros da base bolsonarista, contrariando o próprio Jair Bolsonaro, tentarão fazer com que o Coaf volte à competência do Ministério da Justiça. É uma posição muito mais para a plateia porque se sob o ponto de vista do governo Bolsonaro existe essa intenção, que já se materializou no fortalecimento do Coaf, seja ele subordinado ao Ministério da Justiça ou ao Ministério da Economia, essa política poderá ser preservada.
Sob o ponto de vista das normas internacionais, esse Coaf deve, de fato, ficar no Ministério da Economia. Portanto, esses membros do Senado que agora procuram chamar a atenção para manter o Coaf sob a batuta do Sérgio Moro na verdade me parecem que querem mais aparecer, aproveitar a onda, já que a política hoje em dia tem muito disso, do espetáculo. As grandes ideias vão ficando de lado e o que vale são essas jogadas de curto prazo, de impacto principalmente junto à imprensa para que os políticos possam aparecer na crista da onda.
Isso prejudica evidentemente o bom debate político, mas infelizmente, no meio dessa transformação da política em mais um elemento do espetáculo moderno que vivemos hoje, principalmente através das mídias eletrônicas, o que acontece é que boa parte das condutas políticas deve ser analisada também sob esse prisma. Sob o ponto de vista do que se pode esperar de fato de um conselho de administração financeira, nós podemos sim e devemos trabalhar para que o Coaf fique no Ministério da Economia, sem nenhum prejuízo para o seu fortalecimento.
A grande questão é o que Bolsonaro pretenderá agora fazer com esse seu suposto poder que ficou evidenciado nessa sua relação direta com determinadas bases do seu eleitorado? Isso é importante de ser respondido porque claramente existe uma ideia onde Bolsonaro, através de uma pressão direta sobre o Congresso, possa vir cada vez mais concentrar poderes e, especialmente, fortalecer suas políticas, políticas que não estão muito claras hoje sob o ponto de vista de apontar para a superação da crise econômica, gerando emprego, fazendo com que o país volte a crescer.
Muito pelo contrário, o que se tem em curso é uma política muito feroz, radicaliza-se uma pauta que se iniciou com a Dilma Rousseff, mas se aprofundou com Temer, e que agora parece querer chegar às últimas consequências. São a venda das empresas relacionadas ao complexo Petrobras, que ontem sofreu uma derrota importante com essa posição do ministro Luiz Fachin, concedendo uma liminar e suspendendo a venda ilegal da transportadora de gás das regiões Nordeste e Norte, e vai também por esse ataque sistemático às universidades públicas, a um ataque ao IBAMA, ao IBGE, ou seja, órgãos importantíssimos da administração pública e que se encontram nesse momento na berlinda.
Bolsonaro tentará levar à frente esse seu processo de desmanche com um certo apoio das ruas? Me parece uma aventura, até porque esse apoio vem de forma muito inorgânica. Considerando que a crise econômica tem todas as condições de prosseguir, Bolsonaro tenderá ao longo do tempo a perder essa ligação direta que hoje talvez o anime, e isso é mais um sinal de que as oposições precisam de fato organizar uma estratégia de enfrentamento a Bolsonaro. Não podemos simplesmente ficar aguardando a cada semana qual é o ataque que Bolsonaro fará contra uma das instituições do Estado brasileiro.
É necessária principalmente uma estratégia global de enfrentamento de um governo que veio de acordo com suas principais lideranças, e aí me refiro ao próprio Jair Bolsonaro, ao general Mourão, para destruir, desmanchar, não deixar nada sobre o nosso país em relação à capacidade do Estado brasileiro reagir ao mundo que se transforma rapidamente e onde justamente são os Estados nacionais que estão à frente de países poderosíssimos como os Estados Unidos, a China e a União Europeia com a Alemanha procurando dar o tom para suportar todas as pressões e desdobramentos de um mundo complexo que cada vez mais aprofunda suas divergências em torno desses grandes blocos.
Por isso, mais do que nunca, é uma irresponsabilidade gigantesca a tal da política de desmanche, de desestruturação do Estado brasileiro. As oposições precisam ter uma política de fato global para enfrentar esse tipo de risco.
Ouça o comentário de Paulo Passarinho: