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Debate: Para onde caminha o Brasil?

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O cenário de caos institucional provocado pelas decisões estapafúrdias do governo de Jair Bolsonaro inevitavelmente levam à pergunta que guiou o debate de hoje: para onde caminha o Brasil? Cortes na educação, ameaça à aposentadoria dos trabalhadores, liberalização de agrotóxicos, entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro. O cardápio de retrocessos é amplo e oferece poucas alternativas.

 

A agenda burguesa neoliberal se mistura a posicionamentos ideológicos que resvalam no fascismo como nunca antes visto na história democrática do país. A sociedade civil acompanha, atônita, as medidas regressivas do ex-capitão do Exército e tenta promover uma resistência organizada através de atos públicos, como as manifestações pela educação e a greve geral do próximo dia 14 de junho.

 

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Léo Lince

Para tratar dos rumos que toma a gestão do Palácio do Planalto, o Faixa Livre convidou o professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis, o sociólogo Léo Lince e o jornalista do coletivo Intervozes Gustavo Gindre.

 

Os protestos contra os cortes de 30%, em média, das verbas discricionárias nos institutos e universidades vocalizaram nas ruas a insatisfação em relação à política de Estado mínimo defendida pelo presidente. Contudo, não é só no âmbito da administração federal que os ânimos se acirram. No Rio de Janeiro, moradores de favelas se reuniram no último domingo (26) para condenarem as mortes provocadas por policiais nas comunidades pobres este ano no estado, patrocinadas pelo governador Wilson Witzel.

 

Presente ao movimento na capital fluminense, o professor da UFF destacou que a manifestação de estudantes do Colégio Pedro II em frente ao Colégio Militar quando da passagem de Bolsonaro pela instituição este mês deu início à onda de demonstrações de reprovação ao político do PSL e defende uma organização institucional da oposição para um embate efetivo.

 

“Penso que é necessária uma articulação melhor das lideranças políticas e sociais para que consigam fazer com que as manifestações ganhem articulação porque tenho sentido que as pessoas vão às ruas, mas as passeatas são um pouco internamente a elas por parte das lideranças, uma proposta que realmente entusiasme as pessoas, pouco se vê. É de se esperar que se multipliquem as lutas segmentares e o grande desafio, a meu ver, é a gente ser capaz de formular um programa que conjugue todas essas lutas setoriais”, salientou.

 

A difusão das pautas de luta também chama a atenção de Léo Lince, que observa semelhanças nos atos favoráveis e contrários ao presidente, como o ataque ao Congresso Nacional – apesar da motivação distinta de cada grupo, visto que os militantes da extrema-direita defendem uma intervenção no Legislativo.

 

“Nosso imaginário hoje consegue ter muito claramente o que seria um cenário de Mad Max, de pós-apocalipse, mas o pós-capitalismo é mais difícil para a gente formular” – Gustavo Gindre

 

A existência de uma série de movimentos de contestação em tempos de efervescência política favorece o aparecimento de novas lideranças, algo visto como necessário pelo sociólogo. Defensor das teorias do filósofo italiano Antônio Gramsci, ele se referiu a uma delas para explicar os acontecimentos.

 

“Me valho de Gramsci para dizer da necessidade da articulação do pessimismo da razão com o otimismo da vontade. Nesse quadro, você não pode prescindir do pessimismo da razão para analisar todo retrocesso, toda brutalidade, toda violência do que está acontecendo e do otimismo da vontade para perceber que existe um tipo de processo de saída que está começando a se delinear diante de nós”, avaliou.

 

Gustavo Gindre

Gustavo Gindre

A vocação à aleatoriedade do governo Bolsonaro reforça a possibilidade da ocorrência de instabilidade política no Brasil. Os agrupamentos de poder que fazem parte da gestão federal combinados à ausência de racionalidade do mandatário acentuam esta análise.

 

“Bolsonaro, como costumo dizer, é um saco vazio que muita gente colocou coisas dentro, só que essas coisas são absolutamente heterogêneas. Ele já é um governo que vai viver em perpétua crise, tem uma agenda liberal. Por outro lado, tem a agenda dos militares, os ‘olavetes’, isso tudo segue em crise e a tendência é que se mantenha em crise”, analisou o jornalista do coletivo Intervozes.

 

As medidas econômicas recessivas comandadas pela pasta de Paulo Guedes e impulsionadas pelo rentismo que viu em Bolsonaro a oportunidade de voltar à Presidência da República tornam real a possibilidade de termos um colapso social no país.

 

“Toda agenda do Bolsonaro é de enxugar recursos da economia. Você desatrela o mínimo da inflação, obriga os aposentados a pagarem, diminui as aposentadorias, cria uma série de situações que enxugam dinheiro da economia e a tendência é essa crise se acentuar”, prosseguiu Gindre.

 

“Precisamos de uma agenda positiva. Por que os ricos não podem pagar um imposto de solidariedade para tirar o país da crise? Por que os credores da dívida pública não podem interromper por dois anos a cobrança?” – Daniel Aarão Reis

 

O último processo eleitoral deixou clara a insatisfação da população brasileira com as legendas e os políticos, com a ascensão dos chamados outsiders ao Executivo dos estados e no Legislativo. O próprio Jair Bolsonaro tem uma trajetória de 28 anos como deputado federal classificada por muitos como medíocre.

 

O panorama tem se refletido na conformação da oposição fora do parlamento, com os movimentos populares alheios à participação de políticos ‘profissionais’ em sua organização.

 

“É uma crise geral da democracia representativa em que os partidos passam cada vez menos a ter força impulsionadora, gravitacional. As pessoas têm procurado, em função dessa crise, encontrar caminhos alternativos de pressão. Particularmente penso que a democracia representativa não pode ser abandonada, ela precisa ser revitalizada para que possa de novo interessar às pessoas, para elas voltarem a ver a democracia como algo pelo qual vale a pena lutar. Os partidos estão muito dominados pela dinâmica eleitoral”, comentou Aarão Reis.

 

“Quase todos os partidos com alguma expectativa de interferência positiva no processo de mudança são quase que federações, com doutrina única, liderança hierarquizada. Isso não tem a menor possibilidade de êxito em um quadro como esse” – Léo Lince

 

O professor utilizou como exemplo o pedetista Ciro Gomes, que procurou se descolar da sombra do PT ainda durante a campanha para a Presidência, onde se recusou a apoiar oficialmente Fernando Haddad no segundo turno. Desde então, as críticas ao lulismo só crescem. Contudo, ex-governador do Ceará já se lança como candidato ao Planalto em 2022, deixando de lado a realidade que o Brasil enfrenta.

 

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Daniel Aarão Reis

O Partido dos Trabalhadores, aliás, atravessa um momento de dúvidas quanto à sua capacidade de promover um projeto de unificação do país, o que compromete todo espectro político progressista, na opinião de Gindre.

 

“O principal partido, a referência da esquerda durante muito tempo, vive um processo de encerramento. Acho que o PT pode continuar existindo como partido durante muito tempo, mas como referência para a esquerda, vive um ocaso. Hoje toda sua luta está centralizada na questão do ‘Lula livre’, é incapaz de pensar uma agenda para o país e isso cria um problema porque você tem um enorme corpo ocupando um espaço na esquerda, ainda é uma referência para boa parte da base militante no Brasil, mas que não consegue oferecer nada de alternativa”, citou.

 

A falta de orientação também se dá no plano das figuras e instituições emblemáticas da sociedade civil. O sociólogo destacou personagens que ficaram marcados por seu engajamento político.

 

“Provavelmente nós, que vivemos a luta contra a ditadura, temos algumas figuras referenciais fortes. Por exemplo, a ABI. A ABI hoje é um prédio ali na [rua] Araújo Porto Alegre, não tem um Barbosa Lima Sobrinho. Na OAB, não temos Raimundo Faoro. Lembro do Sobral Pinto no comício das Diretas na [avenida] Presidente Vargas. Ele era uma liderança política, figura emblemática de um advogado, conservador, eleitor da UDN, apoiou o golpe no momento dele e depois virou um símbolo da luta. Esses processos políticos têm o condão de produzir alterações desse tipo”, disse.

 

Ouça o debate na íntegra:

 

 

Debate em 31.05.2019

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