Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
A teoria que versa sobre a ideia do ‘nada é tão ruim que não possa piorar’ se aplica perfeitamente ao Brasil. O aprofundamento das crises política e econômica no país, que datam de 2015, parece entrar em um novo patamar, não apenas pela ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República com sua vocação autoritária e neoliberal.
Especialistas apontam que se avizinha uma prolongada derrocada do sistema financeiro mundial, que pode trazer reflexos devastadores à já combalida economia brasileira. Enquanto isso, a cúpula do Palácio do Planalto se preocupa apenas com a entrega do Estado nacional e a ampliação das desigualdades no país, com as reformas da Previdência e tributária.
Para debater o cenário atual e tentar prever o que está por vir no arranjo político e institucional do país, o Faixa Livre convocou o cientista político e diretor de Relações Institucionais do Instituto de Brasilidade Daniel Kosinski, o economista Adhemar Mineiro e o professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (Irid) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Eduardo Martins.
O quadro estabelecido se configura a partir de duas situações distintas, uma delas que pouco pode ser alterada pelo nível de ingerência do país, na opinião de Adhemar Mineiro.
“Há uma crise estrutural importante no cenário internacional, que teve um momento agudo em 2007 e 2008 e vem crônica desde então, mas, segundo vários analistas, há toda possibilidade de voltar a virar uma crise aguda a qualquer momento. Esse é um quadro sobre o qual a nossa governabilidade é muito pequena, mas que tem de ser levado em consideração porque vamos, por um lado, eclodindo uma crise no cenário internacional, ela nos dá um pouco mais de liberdade do ponto de vista de resolver aqui nossos problemas e, por outro lado, serve para tirar um dos pilares dessa política que vem sendo adotada no Brasil talvez desde 2015, que é apostar em pegar carona no cenário externo e se vincular a uma dinâmica de exportação”, dissecou.
“Isso não vai funcionar porque a crise do lado de fora será grande a qualquer momento. Do outro lado você tem, sobre qual a responsabilidade é toda nossa, uma crise econômica profunda que também vem desde esse mesmo momento, 2015, e que as autoridades de política econômica no Brasil dizem que é motivada por um forte desequilíbrio fiscal e que supostamente a saída para essa situação, em que o Estado acaba pressionando em busca de dinheiro e retirando a possibilidade dos investidores investirem no Estado, é a política de teto de gastos que hoje é motivo de quase quebradeira dos estados e de discussão de ministérios”, prosseguiu o economista.
O diagnóstico foi corroborado por Kosinski. O diretor do Instituto de Brasilidades fez questão de destacar que o período de desequilíbrio da economia nacional se iniciou ainda durante o governo de Dilma Rousseff, após o auge do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que se deu em 2014.
O declínio ainda durante as gestões petistas, aliás, prejudicou não apenas a credibilidade do Partido dos Trabalhadores, como a percepção popular da capacidade de toda a esquerda resolver os problemas estruturais do país.
“O governo Temer veio para prosseguir isso e o Paulo Guedes, a proposta expressa dele era de acabar com o que chama de social-democracia no Brasil. Entendo essa social-democracia, como ele se refere, como o rudimento do estado de bem-estar social que se construiu aqui ao longo de muitas décadas e com muito sacrifício, e também a capacidade que o Estado tem de intervir, comandar, a produção, as finanças. Isso tudo está sendo desmontado”, avaliou o cientista político.
Na análise de Carlos Eduardo Martins, há um caráter de classe no caos que o Brasil atravessa. Ele afirmou que o objetivo da elite é tornar a base da pirâmide cada vez mais dependente e citou a Emenda Constitucional que estabelece um teto para os gastos públicos.
Além disso, o fator estrangeiro, com baixa movimentação comercial na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia, influencia esse panorama recessivo, visto que o investimento interno está aquém das necessidades.
“Essa crise é, sobretudo, uma decisão política da classe dominante brasileira para disciplinar e subordinar a nossa classe trabalhadora. Isso se dá com a adesão de todas as frações da classe dominante à PEC 95 e depois o governo Bolsonaro aprofunda isso na medida em que Paulo Guedes busca conter os gastos, inclusive do ponto de vista nominal, porque a PEC permite um ajuste nominal dos gastos, eles não podem crescer em termos reais”, comentou.
“E a proposta do Paulo Guedes é impedir que eles cresçam em termos nominais. Evidentemente que isso coloca um horizonte de recessão profunda porque o país precisa crescer, precisa ter uma taxa de investimento de pelo menos 18%, 20%, e é absolutamente impossível o setor privado estabelecer essa taxa, sobretudo em um ambiente internacional que é de desaceleração do crescimento econômico, onde o comércio perde dinamismo claramente”, continuou o professor da UFRJ.
Outra notícia que corroborou o discurso dos debatedores foi a indicação de retração do PIB registrada pelo Banco Central para julho. O Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) apontou uma queda de 0,16% na comparação com o mês anterior.
O desastre das iniciativas implementadas pela ex-presidente que sofreu impeachment em 2016 também foi ressaltado por Mineiro, especialmente a falta de trato de Dilma na correlação de forças políticas.
“Houve um zigue-zague permanente do ponto de vista da política econômica na tentativa das medidas que, evidentemente, em um quadro em que não havia investimentos, de conflitos com o setor financeiro, um quadro internacional de mudança a partir de 2008, os preços das commodities flutuavam muito no cenário externo, não te davam mais nenhuma garantia, fica uma política errática. De 2015 em diante, uma conclusão possível é que ela toma decisões políticas que afastam o que poderiam ser aliados, quem segurasse seu governo politicamente, e faz um flerte com quem não queria ‘dançar’ com ela, que era o setor mais conservador”, lembrou.
Diante da ausência de alternativas e da anomia institucional e retórica de Jair Bolsonaro, algumas figuras que obtiveram dividendos eleitorais nas últimas eleições aliados à imagem do ex-capitão do Exército, começam a se descolar na busca por protagonismo no próximo pleito presidencial, em 2022.
São os casos dos governadores de Rio de Janeiro e São Paulo, Wilson Witzel e João Doria, respectivamente. Até mesmo o Partido Novo, que indicou o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles ao governo, tenta negar que tenha feito a sugestão ao presidente. Kosinski avaliou que Bolsonaro praticou o chamado estelionato eleitoral, já que não propunha em campanha as medidas que vêm tomando, como a privatização das estatais:
“Está colocada a questão das fissuras, esse ‘pinochetismo’, não chamaria exatamente de fascismo, até porque não vejo organização do bolsonarismo para ser fascista, pelo menos até o momento, não creio que ganhasse nenhuma eleição. Então como ganhou? Não ganhou com essa narrativa. Ele pegava mais para o lado da moralidade, do ser antipetismo. Ele falava muito ‘pergunta ao meu posto Ipiranga’”.
“Além disso, o Bolsonaro me parece inapto à função que está ocupando, assim como seus filhos. Acho que eles confundem as coisas, ganhar eleição não é tomar o poder. Por exemplo, essa declaração que o filho deu recentemente de que democracia atrapalha, seria um problema, que a transformação necessária não poderia ocorrer, acho que deixa clara essa posição deles. Há setores que querem liberalismo, mas não querem repressão. É o caso da mídia”, concluiu o cientista político.
Ouça o debate na íntegra:
Debate em 13.09.2019