Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
O processo de desmatamento da Amazônia não é novidade para ninguém. A maior floresta tropical do mundo, com influência direta na manutenção do equilíbrio climático do planeta, é refém da ganância de pessoas que pouco se importam com o resultado das queimadas na produção de gases do efeito estufa, que destroem a camada de ozônio, aquela que nos protege dos efeitos dos raios ultravioleta.
Com a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, disparou o número de incêndios criminosos e os índices divulgados pelos órgãos que fazem o levantamento do desflorestamento na região são alarmantes, ao ponto de líderes de outros países se manifestarem contrariamente à política do atual presidente.
Para debater a ameaça à floresta amazônica, o Faixa Livre convidou o coordenador nacional do Movimento por Atingidos por Barragens (MAB) Iury Paulino, a coordenadora de programas e projetos de justiça socioambiental da Fundação Henrich Boll no Brasil Maureen Santos e o economista e estudioso das questões ambientais Jean Marc Von Der Weid.
Historicamente, a degradação da Amazônia sempre se deu pela ação de madeireiros, que derrubavam árvores em busca de matéria-prima para seus negócios. Contudo, nos últimos anos, a cobiça se ampliou e o agronegócio passou a explorar a região, desmatando áreas para a criação de gado. E o presidente da República ainda deseja legalizar outro tipo de atividade em áreas de reservas indígenas.
“Mais ou menos 70% de toda a área ocupada na região de desmatamento vai para a produção bovina em um nível de produtividade baixíssimo. Quando você olha para o que está acontecendo na Amazônia, o trágico é que não há uma discussão de qual é o desenvolvimento, é entre uma coisa absolutamente predatória e uma hipótese de desenvolvimento. A discussão não é uma coisa ou outra, é predação pura e simples, é garimpo ilegal destroçando as vias fluviais, cortes de madeira de lei da forma mais predatória também, desmatamento ilegal”, disse Jean Marc.
O avanço daqueles que exploram irregularmente a floresta se dá em fases, de acordo com o economista. Inicialmente há a atuação de grupos de extermínio e desmate, que abrem caminho para a entrada do agronegócio.
“Você tem uma espécie de invasão, a quadrilha de frente dos matadores, que vão matando índio, posseiro, matando a população, queimando, destruindo, e depois de algum tempo essas coisas se regularizam e entram as grandes empresas atrás”, pontuou.
Dados divulgados pelo Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter), ferramenta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dão conta de que, apenas no mês de setembro, o desmatamento na região amazônica cresceu 96% em relação ao mesmo período no ano anterior.
Entre 1º de janeiro e 30 de setembro, o volume acumulado de destruição já chega a 7.853 km², um índice 93% maior que o acumulado nos nove primeiros meses de 2018, quando houve a devastação de 4.075 km² de floresta.
Os números anunciados pelo monitoramento do órgão levaram o presidente Jair Bolsonaro a chamá-los de mentirosos. Os questionamentos da cúpula do governo acabaram motivando a exoneração do ex-diretor do instituto Ricardo Galvão.
“Com essa onda de desmatamento que tem acontecido, estava vendo que devastamos uma área igual ou maior do que a Alemanha, sendo que 73% dessa área é ocupada com pastagem de baixa produtividade, segundo dados da própria Embrapa, e 23% inclusive foi abandonada, não há necessidade de se fazer o desmatamento dessa área. Trata-se muito de uma cultura, que está sendo incentivada, como se estivessem presos e agora estão autorizados a fazer o que quiserem na Amazônia. Estão cultivando métodos arcaicos”, lamentou Iury.
O descrédito do Governo Federal a entidades que atuam na Amazônia não se restringe ao Inpe. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) são alvos preferenciais do discurso ideologizado e das medidas do ex-capitão do Exército.
O foco no país na exploração de atividades econômicas baseadas na agricultura e na pecuária influencia diretamente na dificuldade que há em se preservar a floresta. Para Maureen, até mesmo as disputas comerciais que se dão no mundo atualmente têm influência neste processo.
“O Brasil, em especial, tem essa política de focar a economia, a balança comercial na exploração das commodities agrícolas e com a retomada da mineração, especialmente a partir da década de 2000, tem uma relação muito profunda com o desenvolvimento e o impacto desse desenvolvimento da Amazônia. Houve uma expansão de soja que acabou puxando a pecuária mais para a Amazônia”, destacou.
“Agora você tem uma expansão agrícola para outra área do Brasil, que chamam de Matopiba, que junta os estados de Piauí, Bahia, Tocantins e Maranhão, mas ao mesmo tempo você tem uma mineração com garimpo que vem ampliando esse processo, e tem muito comprador. Esses debates de guerra comercial China-Estados Unidos, o acordo União Europeia-Mercosul vão impactar gravemente a situação porque existem cotas de aumento de vendas de commodities e de carne. Esse debate da exportação é muito importante até para você ver onde estão esses vetores”, seguiu a representante da Fundação Henrich Boll.
Aliado a isso, há o discurso da necessidade do estabelecimento de um projeto de desenvolvimento para a região, com aproveitamento dos recursos naturais e melhoria das condições de vida da população aliada à preservação da natureza.
O coordenador do MAB descarta a hipótese de haver uma disputa a respeito das questões, visto que o avanço dos povos é algo importante. Contudo, a maneira com que essa evolução se dá é que deve ser discutida.
“No nosso ponto de vista, não podemos alimentar que há um embate entre desenvolvimento e meio ambiente. De certa forma, ninguém é contra ter energia, transporte, internet, qualidade de vida. O que a gente acha é que a forma que é pensada, obviamente não resolve os problemas que estão colocados relacionados à qualidade de vida e uma forma que é extremamente devastadora do ponto de vista social e ambiental”, assinalou.
Neste mês de outubro, acontece, no Vaticano, o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, onde membros da Igreja Católica e representantes da sociedade civil se reúnem para debater os temas prementes à conservação da floresta.
O Papa Francisco tem se mostrado um defensor da preservação do bioma amazônico, criticando as formas de exploração da região. A encíclica Laudato si’, escrita pelo sumo pontífice em 2015, inclusive contesta o modo de acumulação do capital.
“Aquilo (Laudato si’) é uma crítica ao capitalismo, à lógica do capital em outras palavras. Ele não usa essa expressão capitalismo, mas fala em desenvolvimento, no fundo é isso que está em questão. Enquanto você tiver uma lógica que determina o lucro de uma pequena parcela da população mundial, vai determinar tudo que acontece no curto, médio e longo prazo, temos uma situação que não tem solução. Precisamos quebrar essa lógica”, ponderou Jean Marc.
Ouça o debate na íntegra:
Debate em 18.10.2019