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As ameaças retóricas do bolsonarismo, como a nota assinado pelo presidente da República, seu vice Hamilton Mourão e o ministro Luiz Eduardo Ramos, sendo os dois últimos generais do Exército, na última sexta-feira onde reafirmam a possibilidade de as Forças Armadas intervirem em caso de conflitos entre os Poderes, em uma leitura golpista do que diz o texto constitucional, isso logo depois de um parecer divulgado pelo ministro do Supremo Luiz Fux negando esta possibilidade, bem como a invasão de aliados do ex-capitão ao hospital Ronaldo Gazolla, no Rio de Janeiro, no mesmo dia, onde derrubaram computadores e chutaram portas na ala reservada aos pacientes em tratamento da Covid-19, justamente atendendo a um chamado criminoso de Jair Bolsonaro, seguem demonstrando o quão perigoso é o ideal autoritário do chefe do Executivo, algo que nós vínhamos alertando desde o período anterior ao das eleições presidenciais, quando o político do baixo clero, sem qualquer expressão, começava a despontar como candidato.
Como alerta, mas também com uma palavra de esperança, eu gostaria de ler no nosso espaço editorial de hoje um artigo publicado pelo professor Daniel Aarão Reis no jornal O Globo do último sábado. O título do texto é “Um governo em cuecas”.
“Disse o mais nervoso: “perseguem a mim e a minha família”. Ecoou um segundo: “tô levando bordoada e correndo risco… podemos perder este país… nenhum de nós vai se dar bem se perdermos o país”. Uma terceira voz acompanhou: “nossos valores estão sob risco… em 30 anos, trata-se da maior violação dos direitos humanos”. Um mais velho, cabelos brancos, de quem se poderia esperar mais serenidade, não ficou atrás: “somos diferentes deles, por valores… é tiro, porrada e bomba… botamos a granada no bolso do inimigo… não vamos perder o rumo, não podemos perder o rumo”. Reclamou um quinto dos controles: “o tribunal… é uma usina de terror… se faz alguma coisa — tá arriscado a ir para a cadeia”. “É que a mídia é enviesada, joga medo”, completou mais um. “Eu matava ou morria… acabo na cadeia”, exclamou um outro. O líder da reunião fechou a rodada: “querem a nossa hemorroida e a nossa liberdade, que vocês saiam da toca, que se exponham, não podem deixar que eu leve porrada sozinho, que o povo se arme…” e exclamou, épico: “um povo armado jamais será escravizado”.
Parecia uma reunião de alguma organização política clandestina, prestes a ser destruída por forças poderosas. Nada disso, era o governo de uma república por nome Brasil que fazia uma reunião de ministros de Estado para discutir um plano de desenvolvimento. Aconteceu há menos de dois meses, e a reunião, secreta, acabou divulgada pelos meios de comunicação.
Para os historiadores e demais dedicados às Ciências Humanas, um maná, caído do céu. Acessar um documento deste tipo depois de 40 ou 50 anos é uma raridade. Em dois meses? Não há precedentes na história. Transcrição e autenticidade asseguradas por peritos e controlada pela Justiça. As pessoas pronunciando-se com franqueza desembestada e não para o distinto público. Por mais que se dê um desconto, pois estavam entre eles, e não seriam capazes de dizer o que disseram em público. E um outro desconto para a venerável instituição do puxa-saquismo, visível na competição para ver quem era o mais agressivo e o mais cafajeste (aspectos enaltecidos pelo chefe), estavam ali os que governam o país, sem meias-tintas, uma transparência absoluta, quase desumana. Expostos. Expondo-se.
Enquanto a sociedade move-se preocupada face aos sinais de um processo autoritário em curso, a democracia em risco, as instituições balançando, ameaçadas pela intolerância dos governantes. Num contexto de manifestos que se divulgam nas mídias, congregando milhares de assinaturas em defesa das liberdades e de passeatas que já se esboçam, prometendo resistência a aventuras desejosas de reinstaurar ditaduras no país, a nação descobre, pasma, que são eles que se sentem cercados, ameaçados. São eles que se acham imprensados, vigiados, tolhidos, mal informados, perigando irem para a cadeia, para o trabalho compulsório, para o exílio, para a morte.
Estranhos e perigosos governantes: perseguem e se julgam perseguidos. Querem controlar e temem ser controlados. Reprimir e se acham reprimidos. Desejam prender e arrebentar, como dizia em época não tão remota, um esquecido general, porém, se declaram na iminência de serem presos e arrebentados. Imaginam matar, contudo, deliram como ameaçados de morte. Cercam e se sentem cercados.
A isso se chama paranoia em psicanálise. E não há como escapar da assombrosa conclusão de que estamos sob regência de um governo paranoico, que será capaz de tudo para evitar ou impedir o pleno funcionamento da democracia neste país.
Em meados dos anos 1950, Raimundo Magalhães Júnior lançou um livro divertido: “O império em chinelos”. Um apanhado das críticas ferinas desferidas pelos humoristas e caricaturistas da época. Na capa, o imperador Pedro II caía de bunda do trono, as pernas para o alto. Um livro bem-humorado.
Na reunião de 22 de abril passado, o governo brasileiro apareceu em cuecas, não em chinelos, e o quadro que se desenhou não é nem um pouco engraçado. É crítico e assustador e requer cuidado, decisão e coragem, mas… vai passar”.
Ouça o comentário de Anderson Gomes: