Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:

Editorial – 16.07.2020

Compartilhe:
editorial_1170x530

Ontem o presidente Jair Bolsonaro informou em uma rede social que seu segundo exame para a Covid-19 deu resultado positivo, a partir de material colhido na última terça-feira. O ex-capitão do Exército aproveitou a transmissão para fazer propaganda da hidroxicloroquina, dizendo que sua utilização foi recomendada por um médico militar e teria funcionado. A retórica bolsonarista segue desafiando a medicina.

 

Enquanto isso, a rusga entre o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e as Forças Armadas segue dando o que falar. O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, ligou para o magistrado do STF para dialogar a respeito das declarações de Mendes que associaram o Exército a um genocídio, naquela que foi classificada como uma conversa cordial pelo juiz. Essa história me parece que já foi longe demais.

 

Está muito claro que Gilmar Mendes errou na forma, mas acertou no conteúdo. Chamar de genocídio a total falta de responsabilidade do Executivo federal para tratar da grave crise de saúde provocada pelo novo coronavírus é um pouco de exagero, mas toca na ferida aberta por essa associação oportunista dos militares ao governo central.

 

Ainda a respeito deste tema, eu gostaria de ler a coluna do jornalista Elio Gaspari publicada ontem no jornal O Globo, onde ele fala sobre essas conexões entre as Forças Armadas e o Governo Federal. O título do texto é “A fala de Gilmar acordou um vírus”:

 

Em abril do ano passado, quando era ostensiva a participação de militares na administração civil de Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão disse o seguinte:

 

‘Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação’.

 

Entregar o que prometia, o capitão sabe que não entregará. A pandemia e suas superstições confirmaram sua previsão de março: ‘Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo’.

 

Mourão acredita que o ministro Gilmar Mendes “forçou a barra” quando disse que, com a conduta do governo diante da pandemia, ‘o Exército está se associando a esse genocídio’. Gilmar tem uma queda pelo exagero. Se tivesse dito que o Exército está sendo associado a uma ruína, o vice-presidente não poderia se queixar, pois estaria seguindo o raciocínio que ele enunciou há um ano.

 

O Ministério da Saúde não tem titular. O general Eduardo Pazuello é um interino e na sua equipe há 24 militares. Com suas certezas epidemiológicas, Bolsonaro jogou-os na fogueira. Nelson Teich, paisano, foi-se embora.

 

Pinçado, o trecho da fala de Gilmar foi repelido pelo ministro da Defesa e pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea: ‘Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana’.

 

Se o caso ficasse nisso, seriam salvas trocadas, mas o Ministério da Defesa informa que representará contra Gilmar Mendes junto à Procuradoria-Geral da República.

 

Foi assim que nasceu o Ato Institucional nº 5. Uma conspiração palaciana manipulou um discurso (irrelevante) do deputado Marcio Moreira Alves para que o governo pedisse licença à Câmara para processá-lo. No dia 12 de dezembro o plenário negou o pedido e no dia seguinte o marechal Costa e Silva baixou o Ato. Foram dez anos de ditadura escancarada, torturas e extermínio. No Ministério da Justiça estava um tatarana. A cabeça militar dessa urdidura foi a de um general miúdo, conspirador incorrigível. Jayme Portella de Mello foi para escanteio anos depois, sem ter conseguido a quarta estrela.

 

Como a manobra de 1968 deu certo, ela foi reciclada sete anos depois. Num discurso, o senador Leite Chaves protestou pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog: ‘Hitler, quando desejava praticar atos tão ignominiosos como os que estamos presenciando, não se utilizava do Exército, mas sim das forças da SS’. O ministro Sylvio Frota foi ao presidente Ernesto Geisel e, supondo falar em nome do Alto Comando, exigiu a cassação do senador. (O Ato 5 estava em vigor.)

 

Quando Frota entrou no gabinete de Geisel, esta foi a cena, nas suas palavras:

 

‘Merda! Merda! Vocês querem criar um problema! Eu não quero ser ditador! A ser ditador, que seja um de vocês’!

 

Frota miou, propôs uma representação contra Leite Chaves e nem isso conseguiu. Com a ajuda do senador Petrônio Portella, um marquês do Império a serviço da República, capaz de tirar a meia sem tocar no sapato, o episódio foi diluído.

 

As duas semanas de recesso do Judiciário permitem que se jogue água nas cabeças quentes. Mesmo assim, a fala de Gilmar pode ser usada para alimentar uma crise. Para isso, os golpistas precisam dizer que o que eles querem é uma ditadura”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

Deixe seu comentário:

Apoie o Faixa Livre:

Apoie o Faixa Livre:

Baixe nosso App

Baixe nosso App

Programas anteriores