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Editorial – 05.08.2020

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Ontem fomos surpreendidos por mais um episódio da tragédia humana que são esses conflitos constantes no Oriente Médio. Uma explosão impressionante no porto de Beirute, no Líbano, deixou, até o momento em que gravo este editorial, dezenas de mortos, que podem se tornar centenas, e milhares de pessoas feridas. Não há ainda informações que confirmem a origem da explosão, que levantou um enorme cogumelo de fogo e provocou um rastro de destruição a quilômetros de distância. Eu gostaria de fazer a leitura no nosso espaço editorial do artigo que o jornalista Guga Chacra escreveu ontem para o site do jornal O Globo assim que ocorreu o episódio explicando a situação no Líbano. O título do texto é “Mais uma catástrofe na trágica Beirute”:

 

Impossível pensar uma catástrofe maior do que a do Líbano. Uma nação em colapso econômico, crise política, pandemia e agora esta gigantesca explosão no porto de Beirute. Triste. Quem me segue sabe o carinho que tenho pela capital libanesa, apesar de saber de todos os defeitos desta metrópole mediterrânea. São centenas de feridos e dezenas de mortos.

 

Claro que, ao vermos uma explosão em Beirute, surge a possibilidade de um ato terrorista. O histórico traz uma série de ataques de grande magnitude. Foram dezenas. Os mais célebres contra o presidente Bashir Gemayel, os marines americanos, a Embaixada dos Estados Unidos, o premier Rafik Hariri e uma série de outros. Este último ocorreu em 2005 e o veredito sobre os responsáveis seria divulgado nesta semana. Membros do Hezbollah podem ser incriminados. Por este motivo, alguns analistas especulam sobre esta possibilidade, embora o grupo negue e, até agora, não haver nenhuma evidência ligando a organização xiita ao que ocorreu nesta terça.

 

Mas há diferenças que chamam a atenção entre os ataques anteriores e esta explosão, como não ter havido um alvo específico. Também há indícios de que pode ter sido um acidente. Ainda precisamos de mais informações. Trata-se de um momento que devemos tomar cuidado para evitar especulações.

 

Escrevi aqui ontem sobre a crise política e econômica do Líbano. Coloco aqui mais uma vez: 

 

Há uma série de informações erradas e propagandas falsas sobre a crise econômica e política do Líbano. Tudo começou nos anos 1990, após a Guerra Civil Libanesa (1975-90). O Líbano, que havia sido destruído no conflito, precisava de dinheiro para investir na sua reconstrução. Uma das alternativas escolhidas foi a de atrair investimentos da gigantesca diáspora libanesa e também de outros estrangeiros em busca de alto rendimentos.

 

O sistema bancário libanês, antes da guerra, desfrutava de enorme respeito. O país era apelidado de Suíça do Oriente Médio não apenas pelas suas montanhas nevadas, mas também por seus bancos. Esta imagem ajudou o Banco Central libanês na sua tarefa de atrair dinheiro. Fez um plano não muito diferente do implementado por países da América do Sul na época, como a Argentina. Estabeleceu um câmbio fixo, no qual 1.500 liras valiam 1 dólar. Além disso, pagavam taxas de juros altíssimas. Assim, um libanês na diáspora mandava o dinheiro para Beirute onde tinha a garantia de ganhos elevados no seu investimento em dólar.

 

O problema é que a economia libanesa dependia de um movimento contínuo de envio de remessas da diáspora e, em menor escala, de outros estrangeiros para o Líbano. Era praticamente um esquema de pirâmide. Durou mais de duas décadas e sobreviveu inclusive à guerra entre Israel e o Hezbollah em 2006 e aos anos de guerra civil na vizinha Síria. Mas não resistiu aos protestos contra a corrupção e o sistema político e à pandemia. A pressão cresceu e o país entrou em um colapso financeiro similar ao da Argentina em 2001, quando seu esquema de câmbio fixo e juros altos também naufragou.

 

Como o Líbano importa grande parte de seus alimentos e outros produtos, além de ter uma pauta de exportações restrita, o cenário ficou pior do que o da Argentina, um país rico em commodities e com enorme produção interna de comida. Os preços dos produtos alimentícios em Beirute dispararam no país com a desvalorização. Muitos alimentos ficaram fora do alcance dos libaneses. Isso sem falar em celulares, carros e outros bens importados.

 

A desigualdade se acentuou. A elite, rica em dólares, viu seu patrimônio aumentar com a desvalorização. O mesmo vale para libaneses que ganham salário trabalhando na diáspora, especialmente no Golfo Pérsico, e recebendo em moeda estrangeira. Estes ainda podem desfrutar das praias mediterrâneas neste verão libanês, pagando bem menos em dólares. Já a classe média que ganha em lira viu seu poder de comprar evaporar. Ficaram pobres. Seus salários se tornaram insuficientes para comprar comida.

 

A crise política também persiste. Muitos libaneses não se sentem representados. O país possui um sistema sectário, no qual o poder é dividido entre as principais religiões. O presidente é cristão maronita; o premier, muçulmano sunita; e o presidente do Parlamento, muçulmano xiita. O Parlamento é metade cristão de diferentes denominações e metade muçulmana (sunita e xiita), além de drusos e alauítas. Os líderes políticos, no entanto, defendem seus interesses próprios, e não dos seguidores de suas correntes religiosas e muito menos do Líbano. Um caso extremo é o do Hezbollah, que mantém milícia própria e agenda política que muitas vezes não é do interesse libanês.

 

Até instalaram um governo tecnocrático recentemente, mas foi insuficiente para amenizar a situação e a chegar a um acordo com o FMI para o país ter fundos para cumprir as suas obrigações.

 

No fim, o Líbano conseguirá se reerguer. Já passou por momentos mais complicados. Vi o centro destruído de Beirute ainda em meados dos anos 1990. E vi este mesmo centro reconstruído e vibrante nesta que é a mais fantástica cidade levantina. Esperamos, no entanto, que esta crise dure o mínimo possível. Não será simples. Mas ainda pode ser possível”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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