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Hoje eu gostaria de comentar aqui no nosso espaço editorial a respeito de mais um crime ambiental que está prestes a ser cometido no país. A prefeitura do Rio de Janeiro quer construir um novo autódromo no terreno, de posse do Exército, onde fica atualmente a Floresta do Camboatá, na zona Oeste. O movimento SOS Floresta do Camboatá, que lidera os apelos para que não haja a construção, diz que existem no local 200 mil árvores, nesta que é considerada a última remanescente de Mata Atlântica de terras baixas na capital fluminense.
Uma audiência pública virtual que aconteceria nesta sexta-feira (07) para discutir o relatório de impacto ambiental para a realização da obra foi suspensa pela Justiça. Eu gostaria de passar à leitura da coluna da jornalista Ruth de Aquino, no jornal O Globo, onde ela comenta mais essa tragédia ambiental que está próxima de acontecer. O título do texto é “O autódromo e a floresta do Camboatá, uma fábula carioca”:
“Não sei se chamo de escândalo. Roubalheira. Ou burrice. Na dúvida, tudo junto. Precisamos impedir que se passe a boiada no Rio. Pensamos na Amazônia e esquecemos que há florestas em perigo na nossa esquina. Cerca de 180 mil árvores na Floresta do Camboatá podem ser dizimadas, com bênção oficial, para construir um autódromo de quase R$ 1 bilhão. Tudo para levar a Fórmula 1 de Interlagos, em São Paulo, para a Zona Norte do Rio. Rixa provinciana, inoportuna, sem sentido. Pior, um crime ambiental. Uma audiência pública virtual prevista para 7 de agosto, agora, é passo decisivo para se ir adiante com o novo autódromo.
Esses verdes ecochatos são todos contra o desenvolvimento econômico, não é mesmo? Vamos aproveitar a pandemia para passar a motosserra no desconhecido Camboatá, naquela região carente, cimentada e calorenta de Deodoro e Guadalupe. Você já ouviu falar? Os influenciadores ricos da Zona Sul só visitam o Jardim Botânico e o Parque Lage. Nem sabem onde fica o Camboatá.
Eu nunca fui ao Camboatá nem conhecia sua história. O nome vem de uma árvore comum, com flores brancas e frutos que atraem pássaros. Último lugar de Mata Atlântica de áreas planas na cidade, com fauna e flora em extinção. Só restam no Brasil 12% de Mata Atlântica. O Camboatá tem 200 hectares, equivalente a 200 campos de futebol, com nascentes e áreas úmidas onde, nas cheias, ressurgem os peixes rivulídeos, conhecidos como peixes das nuvens, porque reaparecem com as chuvas. Peixes nas nuvens me remetem ao realismo fantástico latino-americano.
Como trocar oxigênio e beleza eternos por especulação imobiliária e uma pista de 5.835 metros de extensão com uso esporádico nos GPs? Um projeto que nem sabemos se ficará pelo meio ou se será abandonado após a construção, como tantos elefantes brancos de obras megalômanas. Querem destravar logo. E construir o circuito em um ano, para ter a F1 já no Rio em 2021. Que chá de cogumelo esse pessoal toma?
O terreno é do Exército. Havia ali paióis de munição. Cientistas do Jardim Botânico, entre eles o biólogo e pesquisador Haroldo Lima, minha maior fonte para este artigo, começaram a catalogar as árvores do Camboatá na década de 1980 a pedido dos militares. No governo Cabral, em 2010, surgiu a conversa de construir ali um autódromo. E como as péssimas ideias sempre sobrevivem no Rio, quando há muita grana envolvida, a pressão aumentou agora.
Vamos comemorar, cariocas, vamos tirar a F1 dos paulistas, num ano em que o Grande Prêmio Brasil foi cancelado por conta da pandemia descontrolada. Por que será que insistem no novo autódromo num estado quebrado, falido, desigual, com necessidades urgentes como escolas, hospitais, saneamento, moradias dignas e segurança? Como assim? Ah, esqueci. Tem aquela história de “legado” pra boi dormir.
Faz quatro anos desde a Olimpíada do Rio. O Brasil prometeu a 2 bilhões de espectadores criar a Floresta dos Atletas. No Maracanã, os atletas plantaram, em totens, sementes que seriam levadas para Deodoro. Lindo. Seria “um legado olímpico verde”. Faltou dinheiro. Tinha de faltar. Precisávamos de joias e barras de ouro. As sementes viraram arbustos em um sítio. Com manutenção cara. Somente em dezembro do ano passado, três anos após os Jogos Olímpicos, foram replantadas as 13.725 mudas de 207 espécies da Mata Atlântica com o esforço de Patricia Amorim. Os custos de mais de R$ 3 milhões foram cobertos por empresas devedoras que causaram danos ambientais.
Quanto papo me-engana-que-eu-gosto no Camboatá. A turma do autódromo do Rio promete compensar a destruição da floresta com propostas inexequíveis, como “um novo corredor verde entre maciços da região”. Tudo para rotular o projeto de “autódromo verde e sustentável”. O único verde que esse pessoal idolatra, sério, deve ser o dólar.
Os argumentos a favor são os de sempre. “O dinheiro não será público, será privado”. “F1 trará receita milionária para o Rio”. “Vamos plantar árvores para compensar a derrubada da floresta”. “Atrairemos turismo para uma área degradada”. Tem cara de maracutaia, tem focinho de maracutaia. O autódromo será um lindo cartão postal, já pensou se nem uso tiver?
O hexacampeão mundial Lewis Hamilton já se disse contra o autódromo no Camboatá. “Vão derrubar árvores? Amo o Rio. Mas não quero correr em um circuito que prejudique uma terra tão bonita para nosso futuro”. Felipe Massa também reprovou. Correr sobre as cinzas de árvores nativas não pega bem. O mundo dos negócios não está mais disposto a associar suas marcas à devastação de uma floresta rara.
Construam o autódromo em outro lugar, gritam os ambientalistas e Caetano Veloso, que morou adolescente em Guadalupe. O Movimento SOS Camboatá sugeriu seis outros lugares no entorno para a construção do circuito, sem mexer na floresta. Mas, sabe como é, tem coisa aí. Meu apelo é mais radical. Esqueçam esse autódromo do Rio, que virou para o presidente B. uma obsessão semelhante à cloroquina. Quer porque quer a F1 no Rio. Lembram o Ronaldão falando que “não se faz Copa com hospitais”? Sempre é bom lembrar. Um copo vazio está cheio de ar.
Quantas negociatas se escondem por trás? Os idealizadores do GP no Rio alegam que vão derrubar (apenas) 30 mil árvores. Mas esse é só o espaço ocupado pela pista e pelo aparato necessário às corridas. Os restantes 41% do terreno serão “cedidos à Rio Motorpark”, subsidiária da americana Rio Motorsports”, como “contrapartida imobiliária”. Ou seja, para construir condomínios, prédios, derrubar mais árvores.
O projeto está cheio de pegadinhas. A empresa Rio Motorpark foi criada às pressas, 11 dias antes de ser anunciada sua escolha. Sem capital e sem estrutura para obra desse porte. Sua garantia é um “bank” não autorizado pelo Banco Central.
Tenho uma esperança. O projeto é tão esdrúxulo que não vingará. E não será apenas por uma reação ambientalista, mas do business da F1, que planeja futuramente corridas sustentáveis, com carbono zero e combustível não poluente. A história do Camboatá vai correr o mundo. Vai virar uma luta de todos. A boiada não vai pastar na floresta carioca”.
Ouça o comentário de Anderson Gomes: