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Editorial – 13.08.2020

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À esteira de todos esses acontecimentos recentes que colocam o presidente Jair Bolsonaro cada dia mais contra a parede, como a descoberta de depósitos na conta da primeira-dama Michelle pelo ex-assessor Fabrício Queiroz e sua esposa Márcia ou a compra de um imóvel pela ex-mulher do chefe do Executivo Rogéria, em 1996, quando eles ainda eram casados, por R$ 96 mil pagos em dinheiro vivo, eu gostaria de fazer a leitura do artigo publicado esta semana pelo historiador Valério Arcary, na Revista Fórum, onde ele lembra a força que as mobilizações populares têm para derrubar governos. O título do texto é “11 de agosto de 1992, o dia em que os estudantes fizeram história”:

 

Foi há 28 anos. No dia 11 de Agosto de 1992, uma manifestação de dezenas de milhares de estudantes se concentrou no vão livre do MASP, na Avenida Paulista, respondendo ao chamado da UNE pelo Fora Collor. Universitários e secundaristas marcharam com os rostos pintados até à Avenida Brigadeiro Luís Antonio e desceram até o vale do Anhangabaú.

 

Foram a centelha que incendiou uma mobilização nacional que culminou, um mês depois, com Atos com centenas de milhares, e a renúncia do aventureiro que venceu as primeiras eleições para a presidência em 1989.

 

Eu tinha saído para dar aulas bem cedinho no atual Instituto Federal, antiga Escola Técnica Federal, onde lecionava desde 1988. Entrei no primeiro concurso público, uma conquista histórica dos anos oitenta. Quando estava em cima da moto na Marginal do Tietê, tive uma intuição, e decidi ir para a manifestação. Até esse dia 11 de agosto as manifestações pelo Fora Collor tinham sido sempre ações de vanguarda.

 

Algumas, como o Ato de 1º de maio da CUT regional de São Paulo, até surpreenderam, porque superaram a escala de poucos milhares, essencialmente, ativistas das alas esquerdas da CUT e do PT. A maioria da direção do PT não apostava na campanha pelo Fora Collor. O 1º Congresso do PT, em dezembro de 1991, nos estúdios Vera Cruz em São Bernardo, tinha derrotado, por 70% a 30%, a moção que defendia que o eixo da política do partido devia ser tentar derrubar Collor.

 

Entrei na Avenida Tiradentes, depois pela Nove de Julho, e ainda não eram oito horas da manhã quando cheguei na Paulista. Não havia quase ninguém.  Em cima do caminhão de som, sozinho, estava Lindbergh Farias. Nunca o tinha encontrado, pessoalmente.

 

Mas ele me reconheceu e me chamou para subir. Me lembro bem do entusiasmo dele: “Cara, hoje vai ser diferente”. A UNE, sob a influência do PCdoB, tinha assumido a campanha, e vinha fazendo uma atividade intensa de preparação para o dia onze de agosto. Para minha alegria, quando eram ainda dez horas da manhã já eram muitas dezenas de milhares de estudantes. E quando saímos em marcha, era uma multidão incontável, entusiasmada, vibrante.

 

A juventude tinha abraçado o Fora Collor. Uma nova geração estava se politizando, aceleradamente. E durante as oito semanas seguintes já eram alguns milhões nas ruas que decidiram se unir aos estudantes. Ficou provado que era possível. A direção do PT fez um giro e se relocalizou. Lula passou a ocupar o lugar de principal liderança nos Atos.

 

No comício final, de novo no Anhangabaú, éramos uma massa humana de pelo menos meio milhão de trabalhadores e jovens. Chico Buarque cantou a Gota D’água. O resto é bem conhecido. Collor caiu. Como e por que conseguimos é sempre algo que permanece como um problema de interpretação histórica.

 

Claro que as condições objetivas estavam maduras. Collor tinha confiscado a poupança da classe média, a inflação tinha disparado, além de ter mergulhado o país em uma recessão terrível, e de estar envolvido em um esquema de corrupção sinistro, liderado por um assessor com cara de malvado de filme de terror, conhecido como PC Farias, que depois foi assassinado, misteriosamente, em uma mansão em Alagoas com uma vítima infeliz ao seu lado.

 

Mas a chave de compreensão são as condições subjetivas. Por que, sociedades que aceitaram, com maior ou menor resignação, a permanência de iniquidades e abuso de poder por anos, por décadas, sem fraturar, como o Brasil entre 1964 e 1984, em determinado momento se fragmentam diante do ódio e fúria acumulados? Em cada uma delas um acontecimento foi o gatilho, a faísca, a fagulha.

 

Mas não é a centelha que explica o incêndio. Quando o mal-estar se transforma em raiva, a insatisfação em ira, o rancor explode em cólera?


Não há “sismógrafos” para a previsão da abertura de processos revolucionários. Não por ausência de causalidades, mas por excesso. As grandes massas populares não despertam, somente, porque têm medo de perder o pouco que têm, mas quando acreditam que podem vencer. Descobrir a força que têm é a alavanca que inspira a confiança na mobilização.

 

Bolsonaro não é imbatível. Ganhou tempo, nas últimas semanas, mas a crise é grande. Ainda pode ter o mesmo destino de Collor. Mais cedo do que tarde, os ventos que vêm de Beirute e de Misnk hão chegar por aqui. Fora Bolsonaro”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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