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Eu gostaria de abordar no nosso espaço editorial de hoje um tema que não chegamos a comentar da devida maneira no programa, que foi a morte do ídolo argentino do futebol Diego Armando Maradona. Ele, que foi uma figura controversa, acabou vítima de dependência química, talvez a única jogada que não deu certo na vida de um gigante, porque Maradona sim foi grande dentro e fora dos gramados, esteve ao lado de figuras como Fidel Castro, Hugo Chávez, Néstor Kirchner, Evo Morales, nas melhores lutas a serviço da esquerda latino-americana.
Eu farei agora a leitura de um belo texto do poeta e jornalista Fábio Carpinejar, que fala um pouco sobre a devoção do povo argentino a um de seus maiores representantes e o que ele simboliza tanto para o país, como para o esporte. O título do texto é “O velório de Maradona”:
“Os argentinos sabem doer. Sabem fazer um morto se sentir importante. Sabem homenagear os seus heróis. Sabem se despedir com música e langor. Sabem expor a paixão de seu sofrimento. Sabem se desesperar. Sabem uivar aos céus, com os lobos de suas lágrimas.
Nunca se testemunhou uma comoção nacional tão grande desde o velório de Evita Perón. Maradona é capaz de superar as duas milhões de pessoas nas ruas de 1952. E isso no meio de uma pandemia.
Ele morre e continua jogando futebol, ele morre e continua arrastando multidões para vê-lo.
Não é um homem, mas um estádio.
Por mais frio e indiferente que qualquer um seja, não existe como não se arrepiar, mesmo quem não gosta do esporte ou quem cultivava ressalvas sobre o posicionamento político de esquerda do craque ou quem apontava os seus problemas pessoais, como as drogas e seus casamentos acidentados.
É uma demonstração monstruosa de fé na eternidade que só é testada com a morte.
Como diz o escritor argentino Roberto Fontanarrosa, “não me importa o que Maradona fez com a vida dele. Eu me importo com o que ele fez com a minha”.
Ele transformou corações, garantiu ao seu povo sofrido e massacrado por golpes militares e sucessivas inflações a possibilidade de ser feliz por noventa minutos. Ele venceu uma Guerra das Malvinas paralela dentro do campo, deixando os adversários ingleses no chão e trazendo uma Copa do Mundo para casa. Ele saiu de um bairro pobre de Buenos Aires, privado de luz, com a eletricidade de suas próprias pernas.
E pensar que ele não jogava futebol para se exibir, mas para sobreviver – na infância, disputava campeonatos para conseguir um refrigerante e um sanduíche.
A magia nos gramados começou cedo demais. Não teve tempo de ser adulto. Estreou profissionalmente aos 15 anos – El Pibe de Oro -, com uma inacreditável habilidade de girar e mudar a sua direção e a sua velocidade. Driblou a miséria, enganou sucessivos escândalos, recomeçou sempre.
Foi um exemplo de sinceridade passional, com as suas glórias e pecados, não querendo nunca ser um modelo para ninguém. Mantinha a consciência de que custava muito sangue ser Maradona todo o dia.
Dom Diego é a maior celebridade da Argentina de todos os tempos. Nem a política, nem a religião produzirão um ídolo igual.
Na sua lápide, constará: Obrigado, bola!
E a bola responderá: Eu que agradeço, eu não sou a mesma desde que você me amou”.
Ouça o comentário de Anderson Gomes: