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Nós temos percebido, nos últimos dias, um movimento do alto oficialato das Forças Armadas de descolamento do governo de Jair Bolsonaro. A grande questão é que o bolsonarismo e os militares estão e seguirão unidos como unha e carne nesse caos que está colocado no país. Eu farei a leitura de trechos de um belo artigo escrito pelos jornalistas Rafael Moro Martins e Leandro Demori para o site The Intercept Brasil, publicado anteontem (30), que mostra a impossibilidade de se desconectar esses personagens. O título do texto é “Imprensa dá voz à farsa de que generais se descolaram de Bolsonaro, mas militares seguem afundados no governo”:
“’O alto comando das forças armadas manda um recado a Bolsonaro: não cederá ao golpismo e nem irá politizar os quartéis’, avisa a imprensa brasileira num uníssono narrativo que não se ouvia desde os áureos tempos da operação Lava Jato.
Ligue a TV, o rádio, abra seu portal de notícias preferido: você terá a mesma análise de como os generais brasileiros são “gente ponderada”, “alinhada ao que manda a Constituição” e decididamente “refratários à politização das forças que comandam”.
Algo próximo de 100% dos analistas remetem suas falas a vozes sem rosto que nos garantem anonimamente: “ufa, ainda bem que temos os militares para conter as loucuras de Bolsonaro”. Leia aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui. Todas variações enfadonhas do mesmo tema.
Que loucura extrema é essa que Bolsonaro queria fazer e que nossos valorosos militares impediram? Ninguém sabe. Mas o tom laudatório foi recebido com festa pelos militares que desejam ver esta versão, e somente esta, tatuada na opinião pública. Eles conseguiram vender integralmente (em off, claro) a imagem que gostariam que a imprensa levasse ao público. O problema é que essa versão não sobrevive à realidade.
O que, afinal, mudou na relação entre militares e Bolsonaro que tenha provocado tamanha ânsia de legalismo do dia para a noite? Bolsonaro queria uns tuítes a mais? Uma declaração aqui e ali? Esse é o grande salto no abismo que nossos generais se negam a dar? Nem mesmo os 317 mil brasileiros mortos pela covid-19, em boa parte graças a uma negligência dolosa, causaram tamanha repulsa dos militares ao capitão da reserva.
Pelo contrário: até a semana passada, eles, os militares, seguiam no comando da gestão assassina da pandemia, com o general de três estrelas da ativa Eduardo Pazuello no comando do Ministério da Saúde. A debandada tem mais cara de saída à francesa de quem não gostou da festa de terror que ajudou a criar”.
Na sequência do texto, os jornalistas fazem referência ao governo “essencialmente militar”. Eu vou seguir na leitura desse trecho.
“Não é possível analisar Bolsonaro sem lembrar do pecado original: este é um governo essencialmente militar. Nenhum partido tem tantos ministérios, estatais, agências reguladoras e secretarias quanto o Partido Militar, que existe na prática mesmo que não tenha registro eleitoral. Se é fato que Bolsonaro se provou um candidato viável para o eleitorado, também é fato que seu governo é uma construção de militares.
A ideia de que os comandantes entregaram seus cargos porque não querem politizar os quartéis é a saída perfeita para os generais que mancharam a reputação do Exército com a gestão sangrenta da pandemia. O problema é que ela é falsa. As Forças Armadas estão politizadas há anos, com um marco temporal evidente nos tuítes do general Villas Bôas ameaçando o STF, lidos e chancelados em segredo antes de serem publicados por boa parte dos militares que, hoje, são o governo. Inclusive pelo agora ex-comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que nas últimas 24 horas foi levado ao altar por boa parte da imprensa como o democrata sensato que não quer politizar as armas.
Ora, mas foi Pujol quem autorizou que generais da ativa ocupassem os principais cargos políticos do governo, algo inédito desde a redemocratização. Para ficar somente nos generais de três e quatro estrelas, que são a elite da tropa: Otávio Rêgo Barros (ex-porta-voz da Presidência), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo e agora Casa Civil), Walter Braga Netto (Casa Civil e agora Defesa) e Eduardo Pazuello (ex-Saúde).
Até a segunda, 29 de março, ministro da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva assinou, nos dois últimos anos, a Ordem do Dia na data em que os militares relembram o golpe que deram em 1964. No texto, além de não chamar o golpe de golpe, Azevedo fez questão de dizer que os tanques nas ruas, o fechamento de jornais, a tortura e o assassinato de brasileiros foram um “marco para a democracia”. No ano passado, ele sobrevoou, com Bolsonaro, uma manifestação em frente ao STF que pedia intervenção militar – eufemismo para golpe de estado.
Seu substituto na pasta, Braga Netto, assumiu editando mais uma Ordem do Dia sobre o golpe de 1964. Segundo o documento dele, os desdobramentos do que ele chama eufemisticamente de “movimento” e que desembocaram numa ditadura que durou 21 anos devem ser “celebrados”. Braga Netto chegou ao governo como general da ativa. Seu antecessor era da reserva. Onde está a ponderação na atitude de ambos a respeito de 1964? É quartel politizado com o que há de pior”.
O ótimo artigo ainda continua, mas eu não consigo lê-lo na íntegra por conta da escassez do tempo. Nós vamos disponibilizar o link com o texto na íntegra nas nossas redes sociais. Os jornalistas ainda citam que esses militares se vendem como moderados e podem se oferecer como ‘terceira via’ à polarização Lula-Bolsonaro em 2022, com o general Santos Cruz sendo escalado para a função ao lado, talvez, de Sergio Moro, ainda que este já não goze mais da mesma popularidade de outrora.
De toda forma, parece que fica muito claro que, ainda que os militares estejam tentando se descolar do bolsonarismo, eles estão comprometidos até a alma com essa tragédia provocada pela irresponsabilidade do ex-capitão, da qual se acumpliciaram de maneira covarde no nosso país.
Ouça o comentário de Anderson Gomes: