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Editorial – 06.04.2021

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O diagnóstico de que aquela esquerda combativa, de ideais progressistas e populares inegociáveis, que nós tínhamos no país não é mais a mesma já orbita o imaginário faz tempo, mas os representantes dos partidos deste campo ideológico têm evidenciado tal leitura de maneira cada vez mais evidente nos últimos tempos, tudo sob o velho argumento da necessidade de uma ampla aliança com o centro para derrotar o bolsonarismo.

 

O último deles foi o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Em entrevista ao jornal O Globo, publicada ontem (05), ele comentou que tem articulado uma candidatura para o governo do estado do Rio de Janeiro no ano que vem contando com o apoio do também deputado Rodrigo Maia (DEM), ex-presidente da Câmara, e com o atual prefeito da capital Eduardo Paes, do mesmo partido. Ambos rezam a cartilha do liberalismo abertamente e também já apoiaram o próprio Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, bem como o golpe que atingiu a ex-presidente Dilma Rousseff.

 

A declaração de Freixo, que inclusive nos daria uma entrevista no programa de hoje, mas infelizmente não pôde nos responder, teve reação imediata dentro do seu partido. Seu correligionário e colega de parlamento Glauber Braga lembrou, nas suas redes sociais, que Paes se projetou na política derrubando moradias de pessoas pobres e que faz piada com isso até hoje. Já Rodrigo Maia, articulou o desmonte da Previdência e das leis trabalhistas enquanto presidia a Casa do Povo.

 

Fato é que esse tipo de postura de lideranças de esquerda tem se tornado cada vez mais comum em uma tentativa de conquistar viabilidade eleitoral, algo inaugurado por Lula em 2002 e repetido pelo petista visando o pleito presidencial do ano que vem. Em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo, o ex-presidente afirmou que observa com simpatia a ideia de transformar algumas estatais, como a Caixa e a Eletrobras, em empresas de economia mista.

 

Por conta disso, o ex-governador do Paraná e ex-senador Roberto Requião escreveu, juntamente com o economista José Carlos de Assis, uma carta onde questiona os planos de Lula caso venha a governar novamente o Brasil. Eu vou passar a leitura do documento para vocês ouvintes. Diz o texto:

 

Caríssimo Presidente Lula,

 

Ficamos chocados com a sua afirmação de que estaria a favor de transformar empresas estatais, como a Caixa Econômica Federal, hoje totalmente controlada pelo Estado, em empresa de economia mista sob controle parcial privado. Também nos surpreendeu sua concordância com o Governo atual na estratégia de privatização da Eletrobrás, a qual, junto com a Petrobrás, é o eixo da independência energética brasileira.

 

Supomos que esteja sendo mal aconselhado na área econômica. Não há nenhum sentido em privatizar a Caixa, mesmo que parcialmente. É uma empresa que rende dividendos expressivos para a área assistencial do Governo, há mais de um século, e desempenha papel estratégico no desenvolvimento social do país. Privatizá-la significa efetivamente doar uma parte dela a particulares sem qualquer justificativa econômica ou moral.

 

No caso da Eletrobrás, estamos diante de um dos maiores riscos estratégicos para a economia brasileira, na medida em que um sistema energético integrado e bem articulado ficará sob a ameaça de injustificável desintegração. Além disso, é uma empresa monopolista em várias funções, não fazendo qualquer sentido que seja entregue ao setor privado com seu apetite por lucro e com o descaso na operação, conforme se viu recentemente em Rondônia.

 

Mais assustador ainda do que o que assinalam essas indicações privatistas – neste caso, tendo em vista o que propõe o próprio programa do PT recém-lançado – é o que ali se expressa como um compromisso com o equilíbrio macroeconômico. Isso é puro conservadorismo. É um compromisso, sim, com a recessão, pois uma economia que não tem desequilíbrios macroeconômicos, sobretudo a partir de recessão, jamais retomará o crescimento econômico.

 

Observe os Estados Unidos, o Japão, a União Europeia, a Inglaterra – ninguém faz mais equilíbrio orçamentário no mundo, pois sabe que se trata de um suicídio econômico e social. Equilíbrio macroeconômico é manter a demanda no nível da oferta, o que, num quadro de recessão, impede o investimento público deficitário, chave do keynesianismo. Os governos neoliberais inventaram, além disso, o absurdo do teto orçamentário, tão contraditório que o próprio Governo quer agora se livrar dele, sob protesto de economistas ortodoxos e conservadores. (Entretanto, enquanto subsistir o governo Bolsonaro, não somos contra o teto de gastos, pois sem teto ele teria carta branca para gastar.) Para o combate à covid, sim, é importante furar o teto de gastos; outros gastos deveriam ser vistos caso a caso.

 

Essas observações acentuam nosso alinhamento com a essência de seu projeto político. Contudo, não podemos estar de acordo com as questões políticas levantadas acima. Fazemos isso por lealdade ao próprio país. Pretendemos nos juntar a milhões de brasileiros que veem no senhor um projeto de mudança para o país. Estamos certos que a orientação macroeconômica do futuro governo que vier a chefiar repita a espetacular performance de 2010, quando saímos de uma depressão para um crescimento de 7,4%, graças, sobretudo, a investimento deficitário.

 

Grande abraço, Roberto Requião, advogado e político; José Carlos de Assis, economista”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes

 

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