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O depoimento do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo na CPI da Pandemia ontem (18), no Senado, não fugiu daquele script que todos nós esperávamos. A tentativa de eximir o governo Bolsonaro de culpa na crise provocada pela Covid-19, com direito a mais um show de mentiras.
Uma delas se deu no momento em que o ex-chanceler classificou a relação entre o governo brasileiros e os chineses como “madura e construtiva”, afirmando ainda que nunca fez ataques ao país asiático, que acabou alvo de ironia do presidente da comissão Omar Aziz: ”Você não acha que chamar de comunavírus indisponha relação?”.
Em um artigo, esse que o senador fez referência, o ex-ministro criticou a quarentena na China e disse que a pandemia era uma oportunidade para se “acelerar o projeto globalista”. Em diversas ocasiões, Araújo atacou a China, isso não é novidade. O que surpreende é como essa figura tenha saído ilesa da CPI porque o volume de inverdades que ele disse seria motivo suficiente para ser decretada a sua prisão.
De toda forma, o ex-chanceler acabou confirmando que o presidente Jair Bolsonaro participou das articulações para que o Itamaraty buscasse no exterior insumos para a produção de cloroquina, remédio sem qualquer eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. Outra afirmação importante de Araújo foi de que partiu do Ministério da Saúde a decisão de aderir à quantidade mínima de doses no Covax – consórcio por vacinas liderado pela Organização Mundial da Saúde. Ao invés de adquirir doses suficientes para vacinar até 50% da população, o governo optou pela quantidade mínima de doses permitidas, que era de 10%.
Depois dessas declarações de Ernesto Araújo, hoje teremos o depoimento mais esperado dessa CPI, o do ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello, protegido por um habeas corpus preventivo que o permite não responder perguntas que possam incriminá-lo. Vamos aguardar o que virá deste cidadão.
Antes de encerrar, eu quero ler um importante artigo publicado pela jornalista Thaís Oyama no site UOL, onde ela alerta para a ampliação da ameaça autoritária pelo presidente da República. O texto tem o título “Bolsonaro quer só pretexto para decreto; fala de Braga Netto é luz vermelha”:
“O presidente Jair Bolsonaro, ele mesmo confirmou, já tem pronto um decreto federal que impede governadores e prefeitos de adotarem medidas restritivas no combate à pandemia, como o confinamento social e o fechamento do comércio.
Volta e meia ameaça baixá-lo e diz que, para a execução da medida, contará com a ajuda do “seu” Exército. Os militares irão às ruas garantir a “liberdade” e o “direito de ir e vir” dos brasileiros, afirma.
Ocorre que não há no momento nenhum estado no país em que brasileiros estejam trancafiados em casa ou onde o comércio esteja de portas cerradas por força de lei municipal ou estadual. O que há são governos que limitaram os horários para o funcionamento de lojas, bares e restaurantes, como o de São Paulo; ou que impuseram restrições à locomoção das pessoas no período noturno, como o da Bahia e o do Ceará.
Na prática, portanto, o decreto que o presidente sacode no ar a cada vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) toma uma decisão que o desagrada terá pouco ou nenhum efeito.
O que Bolsonaro pretende, então, com o tal decreto?
‘Endurecer’, diz um militar envolvido no governo.
Ou, em outras palavras, “puxar a corda também do lado de cá” – já que, no entendimento desse militar, e também de Bolsonaro, quem esticou a corda primeiro foi o STF.
Mas por que o decreto do presidente faria a corda esticar para o lado dele?
Porque, no entender do Palácio do Planalto, alguns governadores, notadamente os de esquerda, recorrerão ao STF assim que Bolsonaro baixar o ato discricionário.
Isso acontecendo, é certo que o Supremo decidirá em favor dos adversários do presidente (já no ano passado o tribunal reconheceu a autonomia dos estados e municípios para decidir sobre medidas de combate à pandemia).
Desse modo, com governadores e STF alinhados contra o decreto de Bolsonaro, estará criado o circo para o ex-capitão fazer o que deseja: tocar fogo nele, dando uma demonstração de força com a ajuda do “seu” Exército.
Bolsonaro só não saiu ainda de tocha na mão porque aguarda um bom pretexto para isso e porque sabia não dispor do apoio das Forças Armadas para qualquer aventura de inspiração golpista.
No sábado, porém, um episódio indicou que algo mudou — senão no âmbito das Forças, ao menos no ministério responsável pela sua direção.
Bolsonaro participou ao lado de vários ministros da manifestação de produtores rurais na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Em determinado momento, puxou para o palco o general Walter Braga Netto.
‘Vamos ver aqui e ouvir uma coisa rara’, anunciou.
Braga Netto, ministro da Defesa, subiu ao palanque e, depois de saudar o chefe e acenar para os manifestantes, discursou:
“O agro é a força desse país e as Forças Armadas estão aqui para proteger os senhores, para que os senhores possam produzir com segurança. A liberdade é o nosso bem maior e fundamental”.
Diante do general, e bem à vista dele, estava um carro de som com uma faixa em que se lia: “Eu autorizo” (uma alusão ao decreto que o presidente ameaça baixar; também eram visíveis cartazes pedindo “intervenção militar”).
Ao repetir o discurso presidencial de que as Forças irão “proteger a liberdade” de quem quer produzir, o ministro da Defesa — chefe imediato dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica— sugere o contrário do que o seu antecessor, Fernando Azevedo e Silva, havia deixado claro a Bolsonaro antes de ser demitido: que as Forças Armadas não se prestariam a atender interesses do governo nem se meteriam em ações inconstitucionais.
Bolsonaro está louco para baixar o seu decreto.
E o discurso relâmpago do ministro da Defesa acende uma luz vermelha no radar de quem sabe que um general na posição de Braga Netto tem o direito de falar pouco, mas não de falar à toa”.
Ouça o comentário de Anderson Gomes: