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Eu começo o nosso editorial de hoje com um questionamento: como nós podemos classificar uma pessoa que não se sensibiliza pela morte de meio milhão de conterrâneos por uma doença? E se essa pessoa lidera o país e é a principal responsável por evitar que os óbitos aconteçam?
Como categorizar alguém que, no dia em que o país que ele comanda atinge a marca de 500 mil mortes por um vírus, ignora o fato e homenageia policiais que estão à caça de um assassino em série? Nesse caso, quem é o assassino em série?
O que dizer sobre alguém que defende o tratamento da tal doença com remédios comprovadamente sem qualquer eficácia e incentiva as pessoas a irem às ruas, quando uma das estratégias para evitar o morticínio é justamente desincentivar aglomerações e manter o distanciamento social?
Diga você, ouvinte, o que pensar a respeito de um ser humano que não tem sequer empatia pelo seu semelhante. Como definir alguém assim? Eu só conheço uma palavra capaz de expressar o que essa figura representa no cenário que eu acabei de traçar: genocida.
Mas no simbólico dia em que o Brasil ultrapassou meio milhão de mortes pela pandemia de Covid-19, o povo brasileiro deu a maior demonstração de que não aceita mais esse sujeito na Presidência da República e, mesmo com o temor do vírus, deu um exemplo de civilidade, respeitando as normas de segurança para evitar as infecções e lotou as ruas do país pelo “Fora Bolsonaro”, por vacina no braço e comida no prato. Eu farei a leitura de um artigo escrito pelo sociólogo Rudá Ricci onde ele traça o que representaram os atos do último sábado (19) por todo o país. O título do texto é “Mudou o patamar”:
“As manifestações gigantes de ontem (em número de pessoas e de cidades mobilizadas) alteraram a configuração do embate entre forças populares (nada de republicanismos por aqui) e a extrema-direita.
Foram registrados 427 atos realizados no Brasil e em 17 países no exterior. Estima-se que ontem foram 750 mil pessoas às ruas contra Bolsonaro e sua agenda genocida. A grande imprensa não consegue – como ocorreu na Campanha das Diretas – esconder a pujança das mobilizações.
Atingimos 500 mil mortes causadas pela orientação para a contaminação do rebanho de brasileiros, pela indicação de uso irresponsável de remédios para outros fins que o combate a vírus (vírus não é protozoário!). Os crimes de responsabilidade se amontoam. Ele já teve seu tempo de brincar de governante. Já brincou com emas e fingiu estar perdendo fôlego, reproduzindo a agonia dos que tentaram internação por não conseguir mais respirar. Talvez, finalmente, parcelas maiores da população de nosso país tenham chegado ao basta.
Agora, a mudança de patamar de embate exige nova postura das entidades que lideram as manifestações. Farei algumas ponderações a respeito. Começo com a data. O foco não é mais 2022, por mais que Lula e lulistas queiram. A data é 2021. Tanta gente na rua não aponta para 2022.
Outra necessidade é que a liderança das mobilizações ganhe um rosto. É preciso ganharmos uma referência que, como afirmei, não se limite a 2022. É preciso ter interlocutor neste embate cada vez mais tenso. Não podemos repetir a invisibilidade da condução que ocorreu em 2013.
Todos que me acompanham sabem o quanto eu sugiro que 2013 foi um momento especial da política no Brasil, inaugurando o século XXI por aqui. Nada a ver com o discurso fácil que 2013 tinha relação com a extrema-direita. Fiz pesquisa de campo para fundamentar minha leitura.
Contudo, o maior erro político cometido em 2013 foi o tal “sem liderança”. O discurso juvenil (ou principista no caso dos anarquistas e autonomistas) levou ao paroxismo de se negarem a negociar como bloco. Quando se sentaram numa mesa, diziam que só se representavam.
Na prática, a agenda se perdeu. Nem mesmo se apresentou como múltipla. Ela simplesmente desapareceu. E deu lugar à disputa das interpretações. A grande imprensa saiu correndo dizendo que a pauta era a corrupção e o papel do MP. O Anonymous apresentou pauta. A esquerda.
Era o momento mais importante para uma reviravolta na política nacional. Mas, a Torre de Babel era de tal monta que os governos, acuados, não sabiam o que e com quem negociar. Dilma tentou – na verdade, o então ministro Gilberto Carvalho – e deu com os burros n´água. Não podemos repetir o erro.
Para que as manifestações precisam de um rosto? Para apresentar uma agenda e pressionar os congressistas. Agora é preciso ter uma coordenação política que esteja à altura desse novo patamar político que se ganhou ontem. As ruas estão além do impacto da CPI.
Ligando os pontos: a) a luta política contra a extrema-direita não aponta para 2022, mas para uma ofensiva para agora; b) para tanto, é preciso que as mobilizações e ofensiva ganhe um rosto, o coletivo de 600 entidades que lideraram as manifestações de 29M e 19J; c) finalmente, a apresentação de uma agenda do presente e do futuro.
A agenda e a ofensiva política popular têm que avançar sobre o terreno do Centrão. A agenda nacional econômica não está nas mãos de Paulo Guedes, mas do Centrão; a parca estabilidade do governo está nas mãos do Centrão. O Centrão é o alvo. É a peça que gera o efeito dominó.
Portanto, seria fundamental que cards e cartazes denunciando a posição dos parlamentares que dão sustentação à agenda de destruição do Brasil e de aumento da precariedade social se espalhassem pelo país. Somente assim, as manifestações poderão se tornar ameaça.
Somente assim, os parlamentares perceberão que estão sendo acompanhados em seu voto e que suas bases eleitorais começam a ligá-los com o governo e seu sofrimento. Enfim, o patamar de embate político foi alterado.
Termino este breve texto externando minhas saudades e tristeza pela morte de Eugênio Peixoto, que nos deixou ontem. Um militante extraordinário, ex-Secretário de Reordenamento Agrário do MDA e um dos coordenadores da Câmara Técnica da Agricultura Familiar do Consórcio Nordeste. Antes de tudo, um imenso coração. Mais um grande amigo que perco nesse fatídico 2021”.
Ouça o comentário de Anderson Gomes: