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Editorial – 05.10.2021

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No último fim de semana, houve a revelação por um consórcio de veículos de imprensa e jornalistas desse escândalo envolvendo a existência de empresas offshore em paraísos fiscais que têm como titulares o ministro da Economia Paulo Guedes e o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto. Como não poderia deixar de ser, o tema provocou enorme revolta por todo o país, políticos de esquerda já anunciaram iniciativas no sentido de investigar os envolvidos, se há algum tipo de ilícito na existência dessas empresas.

 

O jornalista Kennedy Alencar publicou ontem (04) sua coluna no site UOL abordando justamente essa questão, sob o título ““Se tivessem vergonha na cara, Guedes e Campos Neto pediriam demissão”. Diz o Kennedy:

 

Após os atentados de 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos pressionaram os paraísos fiscais a endurecer as suas regras de controle a fim de arrefecer o segredo sobre as contas dos ricos do planeta. O objetivo era rastrear com maior facilidade o dinheiro usado para financiar o terrorismo.

 

Com as mudanças dos últimos 20 anos, ficou mais difícil esconder dinheiro no exterior sem o risco de ser descoberto. Essa maior transparência foi um dos poucos efeitos positivos da Guerra ao Terror.

 

Afinal de contas, por que alguém abre uma conta num paraíso fiscal?

 

O primeiro objetivo é pagar menos imposto. Gente rica honesta e desonesta procura fazer isso. A fortuna pode ter sido construída de forma lícita ou ilícita. Não importa.

 

Uma segunda razão é esconder o dinheiro ganho legal ou ilegalmente (seja via corrupção política ou empresarial). Nos últimos anos, consórcios de jornalistas têm revelado as contas secretas de políticos, empresários, celebridades, esportistas, ditadores.

 

A revista “Piauí” e o jornal “El País” informaram que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem US$ 9,5 milhões (cerca de R$ 51 milhões) numa offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. Segundo a investigação jornalística (Pandora Papers), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, possui empresas de prateleira no Panamá e nas Bahamas.

 

Quaisquer que tenham sido as motivações de Paulo Guedes e de Roberto Campos Neto para abrir empresas e contas no exterior, os dois ficam muito mal na foto. Estão, por exemplo, na companhia de ministros da Economia de Gana, Paquistão e Cazaquistão.

 

Ora, em condições normais de temperatura e pressão, deveriam pedir o boné. Numa democracia séria, Guedes e Campos Neto não teriam a menor condição de permanecer nos seus cargos.

 

Mas o Brasil deixou de ser uma democracia séria quando a elite política, econômica e jurídica patrocinou um golpe parlamentar em 2016 para tirar uma presidente do cargo sem crime de responsabilidade. Até então, o país caminhava corretamente, ainda que com seus solavancos, no seu jovem processo de redemocratização, que teve início em 1985. No dia em que o impeachment de Dilma foi aprovado com voto em louvor a torturador, o Brasil cruzou uma linha que não poderia ter cruzado. O resultado está aí hoje para todo mundo ver e lamentar.

 

De 2016 para cá, o Brasil normalizou absurdos. Temos genocida na Presidência da República, ex-juiz corrupto que ameaça ser candidato ao Palácio do Planalto e 600 mil mortos por uma doença que poderia ter sido combatida de modo minimamente civilizado.

 

Por que o ministro da Economia e o presidente do Banco Central teriam de deixar os cargos se o absurdo está normalizado no país?

 

A alta do dólar tem sido um tormento para a economia brasileira. Há reflexos nocivos sobre a inflação, flagelo que recai com mais força na conta dos pobres. Temos duas autoridades que lidam com a defesa do valor da moeda nacional, mas lucraram com a subida do dólar. É antiético, no mínimo.

 

Quem quer participar da vida pública numa democracia sabe que tem um preço a pagar. A privacidade e os negócios pessoais precisam ser separados da função pública. Quer entrar no jogo político? Entenda que as regras são diferentes da vida na iniciativa privada. É assim nas democracias plenas.

 

Na melhor hipótese, Guedes e Campos Neto mandaram dinheiro para o exterior a fim de pagar menos impostos e proteger as suas fortunas em moeda sólida por descrença na segurança da economia brasileira. Fugiram da Receita Federal e revelaram o que acham do país onde enriqueceram.

 

Do ponto de vista legal, o Código de Conduta da Administração Federal e a Lei 12.813 são bem claros. O primeiro veda que autoridades públicas possam investir em bens cujo valor possa ser afetado por suas decisões no cargo. A segunda aponta o claro conflito de interesse “na manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público”.

 

Se tivessem um pingo de vergonha na cara, o ministro da Economia e o presidente do Banco Central já teriam apresentado os seus pedidos de demissão. Mas o indecente egoísmo social dos ricos brasileiros é um absurdo plenamente normalizado e celebrado. Guedes e Campos Neto podem ficar tranquilos com o seu rico dinheirinho guardado no Caribe enquanto os pobres sem offshore procuram ossos e carcaças de frango Brasil afora”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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