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Debates especiais fim de ano: Segurança

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Talvez a face mais cruel de uma sociedade desigual se revele na criminalização da pobreza, refletida pelo aumento da sensação de insegurança e dos índices de violência urbana. E o Estado, ator que deveria trabalhar por justiça social, na redução dos níveis de miserabilidade, potencializa o quadro e relega às favelas e periferias aqueles historicamente marginalizados, ‘quase todos pretos’, como versa Caetano.

 

O delegado de Polícia Civil Vinicius George, a coordenadora do eixo direito à Segurança Pública e acesso à Justiça do projeto Redes da Maré Lidiane Malanquini e o secretário geral do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) João Tancredo foram convidados pelo Faixa Livre para discutir a violência no Brasil, em mais um programa especial de fim de ano.

 

Com o agravamento da criminalidade de norte a sul do país, segurança pública foi tema decisivo na agenda de debates entre os candidatos no pleito de outubro último e definiu os eleitos em boa parte dos estados, inclusive na eleição presidencial, com Jair Bolsonaro.

 

“O Juiz é parcial porque julga de acordo com o pensamento da classe que ele integra” – João Tancredo

 

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Vinicius George

O ex-capitão do Exército pautou seu programa de governo em torno de supostas soluções para o tema, prometendo diminuir a maioridade penal, recrudescer o tratamento aos criminosos e à população carcerária e colocar em votação a liberalização do porte de armas, proibido no Brasil desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento por Lula, em 2003.

 

Entretanto, apesar da disposição em falar sobre o assunto e do apelo eleitoral que o proporcionou, o futuro presidente não deu o aprofundamento necessário à segurança pública, se resumindo a questões periféricas e tangenciando os reais problemas, como a atuação repressiva do braço armado do poder público nas regiões mais carentes.

 

“A questão não é só de polícia, é o Estado, é uma coisa que vem se repetindo há décadas. A polícia cumpre uma ordem política. Não é uma ação meramente espontânea, uma ausência de política, é pior, essa é a política. A política de imobilizar sem cercas pela imposição do medo, da violência estatal às favelas e áreas periféricas, é estratégia política de controle social”, destacou Vinicius.

 

“Você está sempre olhando para esses territórios como de crime por excelência, como se a população formasse um exército inimigo. No movimento social, já entendemos isso há muito tempo e não adianta culpabilizar o policial, ele está lá cumprindo uma ordem de uma política pública voltada para criminalizar aquele território, toda aquela população que vive ali. Tem de se entender que o Estado e a sociedade legitimam essa prática cotidiana que acontece nas favelas”, continuou Lidiane.

 

As táticas de enfrentamento nessas localidades se dão não apenas por uma decisão dos órgãos governamentais de segurança, mas contam com apoio de uma camada da população que enxerga a realidade imposta pela televisão.

 

“Essa política não se mantém porque os policiais são facínoras ou porque os políticos são corruptos, mas há uma base significativa da sociedade que a legitima. Teremos de chamar antropólogos, sociólogos para pensar na escravidão, entender a forma como o Estado brasileiro se compôs, o comportamento das elites, há todo um processo histórico muito complexo e um jogo do medo nas cidades. A classe média é contaminada por esse jogo e em boa medida legitima a violência estatal, até porque essa violência não toca nela”, avaliou o delegado de Polícia Civil.

 

“O controle do mercado ilícito de armas e munições está nas mãos de militares das Forças Armadas e policiais corruptos” – Vinicius George

 

A aprovação popular a este tipo de ação é confirmada por números oferecidos pelo advogado João Tancredo: “Nessa questão do apoio da população, especialmente da classe média, a essa política de governo, 64% apoiam, acham que a favela é território sem lei, terra de bandido, quando sabemos que não é isso. Essa favela só nos interessa quando vamos arregimentar pedreiro, ladrilheiro, babás, empregados. A Rocinha, por exemplo, tem 180 mil habitantes, acho difícil ter 300 pessoas no tráfico”.

 

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Lidiane Malanquini

A situação do Rio de Janeiro, aliás, salta aos olhos no país. Atravessando uma intervenção federal na segurança pública há 10 meses, o estado convive com uma realidade que beira a guerra civil.

 

Nos últimos 15 anos, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), ocorreram 81 050 homicídios dolosos no estado, uma média de 5 403 a cada 365 dias. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), política de ocupação das favelas criada pelo ex-governador Sérgio Cabral em 2008, não ofereceu o resultado esperado.

 

De lá para cá, foram registrados 1 627 homicídios em áreas que contam com o policiamento de proximidade, sendo 687 mortes por intervenção policial.

 

“O que vivemos no Rio de Janeiro é muito peculiar quando pensamos em segurança pública, especialmente quando pensamos no contexto de favela. Historicamente as forças policiais têm uma forma de perceber tanto o território, como quem vive naqueles territórios, onde as atuações não tentam garantir direitos, pelo contrário. A experiência dos moradores da Maré é de que as forças policiais mais violam do que garantem direitos, e isso não é uma coisa de agora, é um processo histórico, pelo menos nos últimos 30 anos temos vivenciado isso”, pontuou Lidiane.

 

O projeto Redes da Maré, iniciado em 1997 a partir da iniciativa de moradores e ex-moradores da região, elabora projetos e ações para garantir políticas públicas efetivas para os 137 mil moradores do conjunto de 16 favelas que compõem o complexo.

 

“Nosso trabalho consiste em pensar e construir com o morador a segurança pública como um direito, assim como educação e saúde são”, destacou a coordenadora do projeto. A Maré é a comunidade onde nasceu Marielle Franco, vereadora brutalmente executada há nove meses com seu motorista, Anderson Gomes, crime que até hoje não foi solucionado.

 

“Esquecemos que o sistema de justiça vai reinventando historicamente as formas de criminalizar os territórios e os corpos negros” – Lidiane Malanquini

 

O monitoramento dos impactos dos confrontos armados na região é feito anualmente pelo projeto coordenado por Lidiane, especialmente na área da educação.

 

“A Maré tem 45 escolas com 16 mil alunos. Só em 2017, essas escolas fecharam 35 dias. Se permanecermos com essa rotina, nos próximos anos um aluno da Maré que deveria ter estudado 14 anos, vai estudar dois anos e meio a menos. Você tem todo um aparato do Estado que, quando as forças policiais atuam naquele território, precisam suspender suas atividades. O mesmo Estado que financia a estrutura de determinadas políticas sociais, inviabiliza que essas políticas funcionem de forma plena e cidadã dentro desse território”, relatou.

 

O futuro governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel anunciou a extinção da Secretaria de Segurança Pública. As Polícias Civil e Militar passarão a ter status de secretarias, em uma tentativa de aproximar a atuação de ambas.

 

João Tancredo

João Tancredo

O delegado Vinicius George é reticente quanto à efetividade da medida, embora não acredite na atual política implantada no estado:

 

“A secretaria foi crescendo e chegou a ter despesa maior que a Polícia Militar, é um absurdo. Esse formato tem de ser revisto, tem de enxugar, transformar em órgão de gestão político-administrativa, em uma lógica de integração de relações. Não sei se vai funcionar, mas é arriscado, até porque hoje o modelo nacional está baseado nessa lógica. Há determinados convênios feitos com o Ministério da Justiça que tem de ser com as secretarias de segurança estaduais, não podem ser feitos diretamente com a polícia”.

 

O aumento dos números relativos à criminalidade não apenas no Brasil, na opinião de João Tancredo, tem influência das empresas que capitalizam com a sensação de insegurança estabelecida. O advogado citou o exemplo de um dos nossos vizinhos sul-americanos.

 

“Na Colômbia, que há pouco tempo era terra de ninguém, os Estados Unidos doaram US$ 300 milhões para o combate às drogas. Esse valor chegou em forma de armamento, helicóptero. Não querem acabar com isso porque a indústria bélica ganha muito dinheiro”, finalizou o advogado.

 

Ouça abaixo a íntegra do debate:

 

 

Debate em 17.12.2018

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