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Debate especial fim de ano: Brasil

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A efervescência política coletiva no Brasil que se iniciou pelo brado com viés machista ‘tchau, querida’, atravessou o quase folclórico ‘fora, Temer’ e teve seu ápice no engajado ‘Lula livre’, guindou ao Palácio do Planalto aquele que pode se colocar como o maior desastre para nossa tenra retomada democrática.

 

O papel da eleição de Jair Bolsonaro e seus desdobramentos foram discutidos pelo professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis, pelo jornalista Cid Benjamin e pelo cientista político do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e membro da direção do PCdoB Luis Fernandes no último debate especial de fim de ano do programa Faixa Livre.

 

De virtual azarão a presidente da República, o ex-capitão do Exército teve em sua trajetória eleitoral em 2018 muitas polêmicas, uma tentativa de homicídio e a fuga dos debates, especialmente no segundo turno. O processo que culminou com a escolha do político de histórico controverso para liderar um país instável e marcado por desigualdades se deu por um quadro repleto de nuances que avançam as fronteiras nacionais.

 

Luis Fernandes

Luis Fernandes

“Em primeiro lugar, há um contexto internacional. A crise não é específica brasileira, é geral e vem se arrastando desde a quebra financeira de 2008. O custo de superação da crise caiu nas costas dos trabalhadores, gerou insatisfação, e isso afetou o processo da democracia representativa, que começou a ser questionado em todo o mundo e beneficiou lideranças mais críticas a isso”, observou Daniel Aarão.

 

“Desde então, vemos uma tendência conservadora de líderes que souberam exprimir esse descontentamento. No Brasil, a corrupção que se generalizou combinada a uma crise profunda de desemprego, falta de perspectiva, favoreceu a que surgisse um salvador da pátria, alguém que vem contra tudo que está aí. Tivemos o Jânio [Quadros] nos anos 1960, depois o Collor no fim dos anos 1980, o próprio Lula surgiu para consertar a crise ensejada pelo segundo governo Fernando Henrique Cardoso, e agora tivemos a figura do Bolsonaro”, continuou o professor.

 

O avanço de ideais com tendências neofascistas já levou aos holofotes globais figuras como Donald Trump nos Estados Unidos, Matteo Salvini na Itália, Marine Le Pen na França, Rodrigo Duterte nas Filipinas e Viktor Orbán na Hungria. Entretanto, o caso brasileiro apresenta uma peculiaridade.

 

“Essa ascensão da direita que tem no centro do sistema internacional uma característica nacionalista, protecionista e antiglobalização, não assumiu um caráter tão autoritário e agressivo como o que foi expresso no Brasil. Isso torna dramática a situação porque Bolsonaro foi eleito com um discurso aberto de defesa da tortura e do regime militar, da cassação de adversários políticos, de práticas autoritárias, um ataque agressivo contra direitos civis seculares”, ressaltou Luis Fernandes.

 

“A agenda de governo é profundamente impopular e antipopular. A partir dessas questões concretas deve-se juntar o máximo de setores para dar combate” – Cid Benjamin

 

Além da conjuntura externa, fatores locais explicam a opção ao atual deputado federal eleito pelo até então nanico Partido Social Liberal (PSL), que se tornou uma das principais expressões partidárias do país com a segunda maior bancada na Câmara – 52 deputados – a partir de 2019.

 

“A falência do sistema político não pegou só o PT, o PSDB desapareceu do mapa até mais. O PT virou símbolo dessa corrupção. Claro que não começou com ele e não é o partido mais corrupto, mas pela forma como tratou a questão e por ter se envolvido, esse carimbo colou. O antipetismo foi determinante na eleição”, analisou Cid Benjamin.

 

“O voto no Bolsonaro não foi nesse programa autoritário, mas de protesto, é contra o sistema político que se estruturou no país ao longo da transição democrática. Ele penalizou as esquerdas, mas implodiu os partidos que haviam dominado essa transição, sobretudo o PMDB e o PSDB. O sinal do voto é de que esse sistema político era corrupto, e havia chegado a hora de eleger alguém que se apresentava como de fora dele para ser uma espécie de saneador da política brasileira”, acrescentou o dirigente do PCdoB.

 

Daniel Aarão Reis

Daniel Aarão Reis

O futuro presidente recebeu 57 797 847 votos, o que representou 55,13% dos votos válidos. Do universo de eleitores do país – 147 305 155 -, no entanto, esse número significa apenas 39,34% de apoiadores ao seu programa de governo.

 

“É preciso relativizar a vitória do Bolsonaro. Temos de ponderar que ele teve menos 40% do eleitorado brasileiro. Não foi uma vitória esmagadora como aparece muitas vezes nessa sinistrose da esquerda. Na frente que o elegeu, grande parte desses votos é circunstancial, muita gente que já votou no PT, votou no Bolsonaro. Essa história de dizer que Bolsonaro ganhou porque nossa sociedade é escravista, a mesma sociedade votou no Lula, na Dilma, no FHC. Esse núcleo duro dele é importante, não pode ser desconsiderado, mas grande parte dos votos pode ser recuperada”, avaliou o professor da UFF.

 

A superficialidade das discussões, a variedade de pautas que levaram o futuro presidente à vitória, fundamentadas no combate à corrupção e diminuição dos índices de violência, e, principalmente, as contradições dos aliados bolsonaristas representam fatores que devem ser considerados preocupantes em relação à governabilidade.

 

“O carisma de lideranças no regime político presidencialista na América Latina permitiu à esquerda chegar ao governo central. Esse capital político não deve ser desconsiderado, mas é insuficiente” – Luis Fernandes

 

“Essas bandeiras serviram para ele ganhar a eleição, mas vão servir para governar? A questão da corrupção ou será levada a sério e vai estraçalhar a base política do Bolsonaro, que é o esgoto da política nacional, ou o [Sergio] Moro [futuro ministro da Justiça] vai voltar suas baterias só contra o PT e seus aliados”, pontuou Cid Benjamin.

 

A ala militar que passará a ocupar cargos na próxima gestão coloca uma interrogação na política adotada pelo setor econômico. Outro personagem que se impõe é talvez o principal responsável pela vitória do deputado do PSL, ao condenar o ex-presidente Lula à prisão.

 

“O problema é que há uma base heterogênea e com agendas antagônicas na sustentação do governo Bolsonaro. Quando se materializar a agenda positiva, essas tensões vão aflorar. O polo militar é claramente contrário a essa agenda de privatizações do Paulo Guedes, eles defenderam o sistema Telebras, haverá disputas de protagonismo no coração do governo. Há um vice-presidente que se coloca como alternativa, com várias declarações retificando o Bolsonaro, e tem o Moro fortalecido. Há atores políticos dispostos a entrar no jogo explorando alguma falha do presidente”, lembrou Luis Fernandes.

 

“A tendência é a cidadania começar a se organizar e recuperar a política como luta” – Daniel Aarão Reis

 

A recomposição das forças de oposição é vista como essencial para que se impeça o avanço das propostas anacrônicas de Jair Bolsonaro. Para Daniel Aarão, a estratégia utilizada pelas gestões do Partido dos Trabalhadores no Planalto deve ser revista.

 

Cid Benjamin

Cid Benjamin

“Essa coisa da conciliação impregnou as esquerdas, elas acabaram perdendo sua capacidade combativa, houve cooptação de várias lideranças que se afastaram dos movimentos populares. Temos de apresentar alternativas de luta que não passem por atalhos. A verdade é que os governos petistas foram muito despolitizantes, enfraqueceram as bases sociais”, destacou.

 

Apesar de ressaltar a necessidade de militância fora da institucionalidade, Cid Bejamin fez questão de valorizar a influência das legendas na unificação do país. Um dos que deve ter protagonismo é Ciro Gomes.

 

Derrotado no último pleito presidencial, o candidato do PDT saiu fortalecido, mesmo após afirmativas contraditórias e articulações nos bastidores propondo o isolamento dos petistas no próximo ciclo.

 

“Política sem partido não existe. Penso que é hora de se fazer uma frente o mais ampla possível. Ela não pode limitar a ação dos seus participantes ao que a maioria da frente concordar e tem de se fugir daquela percepção burocrática de que os notáveis vão sentar e fazer um protocolo para o programa. Isso é procrastinar e não tocar para frente a luta pela democracia. As declarações do Ciro de veto ao PT são absolutamente infantis, não deve haver veto a ninguém. As pessoas que estão próximas têm um papel importante para dar um toque nele, que está fazendo política muito mais com o fígado e colocando a raiva pessoal diante dos interesses mais gerais dos trabalhadores”, disse o jornalista.

 

Ouça o debate na íntegra abaixo:

 

 

Debate em 21.12.2018

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