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A segurança pública é uma das principais demandas da população no país. Os altos índices de homicídios e assaltos a mão armada assustam os brasileiros não é de hoje. Uma das soluções do governo de Jair Bolsonaro para diminuir o clima de insegurança é… facilitar o acesso do ‘cidadão de bem’ às armas de fogo.
Seria essa a melhor saída? O Faixa Livre convidou para debater este tema o delegado de Polícia Civil Orlando Zaccone, o secretário-geral da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj) Filipe dos Anjos e o professor de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e presidente do grupo Tortura Nunca Mais Rafael Maul.
A assinatura do decreto pelo presidente Jair Bolsonaro flexibilizando a posse de armas no Brasil esta semana, atendendo a uma promessa de campanha, provocou uma série de críticas de entidades de defesa dos direitos humanos e até de instituições de segurança ligadas ao aparato do Estado.
O delegado de Polícia Federal Éder Rosa de Magalhães, chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas de Fogo (DARM), enviou um memorando para delegados de todo país afirmando que um ‘aumento exagerado do número de armas em poder dos cidadãos’ pode ter ‘consequências nefastas’.
“Primeiro temos de observar que os interesses que movem a mudança do estatuto têm muito mais relação com o que acontece no campo do que com o que acontece na cidade. Nas áreas rurais, os grandes proprietários de terra vão solicitar, e não é só para um não, é para dois, três, quatro que residem fazendo uma verdadeira milícia”, alertou Zaccone.
“Eu quero ver um morador da favela solicitar o acesso à arma. Claro que não vai conseguir. A posse de armas será dada aos grandes latifundiários, isso tudo tem no fundo do debate a manutenção da estrutura fundiária no Brasil. A flexibilização vai colocar em perigo a circulação das pessoas na rua. O delegado foi muito consciente no sentido de alertar, mas temos aprofundar e mostrar para a população com dados o que pode acontecer a partir disso”, continuou.
Com ligações estreitas à ‘bancada da bala’ no Congresso Nacional durante seus 28 anos como deputado federal, o presidente ex-capitão do Exército contou com o lobby da indústria armamentista para tomar a decisão sobre a posse. Durante a campanha eleitoral, as ações da Taurus, principal fabricante de armas do país, chegaram a ter valorização de 400%.
“Agora mudou, a imprensa tem chamado a bancada da bala de bancada da segurança pública, e a última coisa que eles são é de segurança pública. É um governo completamente sem proposta para a população mais pobre do Brasil. Bolsonaro deixou bem claro na campanha que o compromisso dele é com o capital financeiro internacional”, avaliou Filipe.
“Uma das preocupações seria os taxistas e motoristas de Uber, no entendimento de que estão em um estabelecimento comercial, seu próprio veículo, portarem armas” – Orlando Zaccone
O caráter financista das discussões sobre a facilitação ao acesso às armas foi destacado também por Orlando Zaccone, quando os interesses do grande capital se sobrepõem à realidade do povo:
“Temos de mostrar que por trás desse debate tem o negócio da segurança e a segurança dos negócios. Ele está totalmente ancorado no debate de ordem econômica. A UPP e todos esses grandes negócios foram realizados no discurso da necessidade de uma segurança cada vez maior para garantir a realização dos negócios. E há os negócios da própria segurança, a indústria armamentista é um deles. Não adianta ficarmos discutindo os reflexos da realidade que estamos colocando em relação ao aumento ou a redução do armamento no ambiente social, temos de saber que por trás disso tem todo um interesse econômico”.
O dirigente da Faferj fez questão de lembrar que a tradição pacifista que nossa sociedade carrega através dos tempos carece de comprovação nos fatos.
“O morador de favela é historicamente massacrado. A História do Brasil às vezes não condiz com certas linhas que se criam, como de que o brasileiro é um povo pacífico, pacato. Não é bem assim, temos números alarmantes, por exemplo, de casos de violência contra a mulher. Essa violência acontece dentro de casa e em uma favela não é diferente, temos problemas gravíssimos”, lamentou.
O 29º Relatório Mundial publicado pela Organização não Governamental de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch afirma que o Brasil precisa combater a violência dentro do marco legal, criticando propostas de ‘encorajar’ a polícia a matar e a facilitação da posse de armas.
A entidade se reuniu durante esta semana com integrantes da cúpula da segurança pública no país, entre eles os ministros da Justiça, Sérgio Moro, da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, e da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Após as conversas, a organização demonstrou preocupação com a Medida Provisória que permite ao governo monitorar e acompanhar as atividades de ONG’s, mesmo as que não são financiadas por recursos públicos.
“O genocídio indígena pode ressurgir com o anticomunismo, como se houvesse alguma ameaça comunista colocada nesse país” – Rafael Maul
“Grande parte da população civil não consegue perceber à defesa de quem está a liberação da posse de armas como está colocada, que não é o cidadão de bem pelas ruas da cidade e muito menos no campo. Temos mais uma vez as várias formas de criação do inimigo comum como o negro, o favelado, o sem-terra”, observou Rafael.
O grupo Tortura Nunca Mais, fundado no Rio de Janeiro em 1985, nasceu por iniciativa de ex-presos políticos que lutavam pela memória do período da ditadura civil-militar. Essa herança violenta do Estado nacional mais uma vez vem à tona com a gestão de Bolsonaro, repleta de oficiais em sua composição
“Os arquivos da inteligência das Forças Armadas não foram abertos, sabemos que os arquivos em posse de particulares nunca foram restituídos ao público. Isso é gravíssimo e é um dos fatores importantes para a continuidade da violência de Estado e da tortura efetiva, não só a tortura da falta de serviços públicos básicos, mas a tortura nas próprias delegacias, a que acontece nas ruas, nas favelas pelos agentes públicos, nos massacres no campo, dos indígenas, toda uma cultura da violência que se reforça”, pontuou Rafael.
“Todo lugar em que há uma disputa de território é onde circulam mais armas com maior poder de destruição” – Filipe dos Anjos
A violência do aparelho estatal, aliás, já foi defendida pelo presidente recém-empossado. Na Câmara dos Deputados, Bolsonaro chegou a corroborar a atuação de esquadrões da morte, grupos de ‘justiceiros’ que age por interesses próprios, alheios à ordem legal.
No Rio de Janeiro, há as chamadas milícias, grupos paramilitares que instituem uma espécie de poder paralelo em certas regiões da cidade para exploração de serviços à população, alguns básicos, como segurança, fornecimento de água, gás e TV a cabo.
“Quando a milícia surge, lembro mais ou menos que as pessoas falavam que elas ‘estão aqui para nos proteger’, mas hoje, para quem vive em áreas de milícia, não é bem assim, sabem que estão sendo oprimidos. Vejo o fortalecimento, muito mais do que na questão da posse de armas, no empoderamento que o Bolsonaro traz a esse tipo de facção criminosa, que muitas vezes tem seus membros das Forças Armadas”, salientou Filipe.
Encarado por boa parte dos estudiosos de segurança pública como um dos principais problemas, o tráfico de armas a partir dos entes do Estado é pouco debatido nas Instâncias de poder.
“Não há um órgão do Brasil que controle qual é o número de armamentos que foram extraviados dos quartéis do Exército, por exemplo, essa informação fica só com o Exército. Então a dificuldade já começa no acesso à informação, é uma caixa preta, e os governos do PT não quiseram entrar nesse tipo de atrito. Foi aquela coisa da boa convivência dos governos do PT com as Forças Armadas, onde a única coisa que eles conversaram foi sobre o aumento do salário dos militares”, criticou o delegado de Polícia Civil.
Ouça na íntegra o debate no programa Faixa Livre:
Debate em 18.01.2019