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Debate: 25 dias de Bolsonaro

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Nomeações estapafúrdias para cargos de primeiro escalão no Executivo, decisões polêmicas que preocupam órgãos da sociedade civil e a opinião pública internacional, posicionamentos alinhados com o pensamento imperialista, vexame em seu evento de estreia fora do país. Essa podia ser a crônica de uma tragédia, mas é um rápido resumo dos 25 dias iniciais de Jair Bolsonaro à frente da Presidência da República.

 

As primeiras iniciativas do ex-capitão do Exército no cargo surpreendem? O programa Faixa Livre convidou para responder essa e outras perguntas o ex-vereador do Rio de Janeiro Guilherme Haeser, o professor de Filosofia Luiz Carlos de Oliveira e Silva, o jornalista Gustavo Gindre e o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Nildo Ouriques.

 

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Guilherme Haeser

Eleito em um processo cercado de contradições, Bolsonaro mostra que seu discurso de campanha direcionado a ‘acabar com a ideologia no Brasil’ era apenas uma cortina de fumaça para a imposição de uma doutrina que representa valores religiosos neopentecostais, o ultraliberalismo econômico e um antiglobalismo que vai desde o fim do livre comércio com nações consideradas ‘inimigas’, passa pela contestação de estudos científicos consagrados e beira o inacreditável na teoria de que a Terra é plana.

 

“O governo Bolsonaro ainda não mostrou tudo o que pretendia efetivamente, embora nesse quase um mês já tenhamos visto a gravidade que representam as suas ações. Um presidente da República tem de representar a todos os cidadãos, se preocupar com o bem-estar de todos, não pode ser inimigo de uma parcela da população, e é isso que Bolsonaro tem insistido em demonstrar”, pontuou Guilherme Haeser.

 

Defensor do combate à corrupção, o mandatário deu amostras na última semana de que a teoria passa longe da prática. Um decreto assinado nesta quinta-feira (24) pelo vice Hamilton Mourão permite que servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas imponham sigilo ultrassecreto a dados públicos, alterando as regras da Lei de Acesso à Informação.

 

“O Brasil nunca sofreu um ataque tão pesado de desconstrução do mínimo estado de bem-estar social que temos desde 1930” – Luiz Carlos de Oliveira e Silva

 

Além disso, o Banco Central pôs em consulta pública o fim do monitoramento obrigatório pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) das movimentações bancárias de parentes de autoridades, as chamadas pessoas politicamente expostas (PPE).

 

“Eles estão fechando todas as possibilidades de transparência. Na verdade, o governo Bolsonaro tem sido muito contraditório e é urgente que a gente desenvolva essa batalha da comunicação. A discussão de como cada cidadão constrói suas convicções, como fazemos a discussão de problemas complexos de forma que a gente demonstre que existem possibilidades a partir do coletivo, da sociedade. Para isso, é preciso apostar na retomada do contato com as pessoas”, comentou o ex-vereador.

 

As controvérsias não se resumem ao campo institucional, mas atingem também seus familiares. O senador eleito e filho do presidente, Flávio Bolsonaro, é suspeito de envolvimento com grupos paramilitares no Rio de Janeiro, conhecidos como milícias, e alvo de um escândalo de transações bancárias questionáveis com a participação de seu ex-assessor na Assembleia Legislativa Fabrício Queiroz.

 

Gustavo Gindre

Gustavo Gindre

“Esse caso concreto das milícias chama atenção para duas questões diferentes: primeiro o Bolsonaro sempre foi um sujeito medíocre, inexpressivo e a relação dele com as milícias é algo já se sabia, só não se tinha provas concretas. O próprio Flávio Bolsonaro já propôs a legalização das milícias. Acontece que o Bolsonaro é uma figura menor, sem nenhuma importância e que está figurante há muito tempo cheio de telhado de vidro, mas que nunca ninguém deu importância a isso”, alegou Gustavo Gindre, lembrando o motivo pelo qual as revelações vieram à tona:

 

“A segunda questão é: por que isso apareceu na mídia? Porque a mídia poderia resolver não dar o destaque que isso merece, e aí temos o papel da Globo nesse processo. O Bolsonaro parece que não aprendeu a lição do Collor, que tentou brigar com a Globo, no caso do Collor porque tentou montar seu próprio império de mídia e no caso do Bolsonaro que resolve se aliar àqueles que são hoje os adversários da Globo no Brasil, principalmente a Record. Define uma série de procedimentos que vão contra os interesses da Globo, obviamente ela reagiu”.

 

Uma possível derrocada de Bolsonaro à frente do Palácio do Planalto não ameaça o plano liberal implantado desde a gestão de Michel Temer, na opinião de Luiz Carlos de Oliveira e Silva. A agenda econômica defendida pela equipe de Paulo Guedes encontra apoio nas empresas de mídia e nos representantes do grande capital.

 

“O grupo Globo tem uma agenda que é anterior ao bolsonarismo e encontrou nele seu acolhimento. A crise do bolsonarismo não coloca em risco o projeto que está em curso porque existe um backup para o Bolsonaro que é muito claro, ele pode fazer água, o Mourão talvez se mostre muito mais competente para liderar esse processo. O mais importante é que essa agenda ultraliberal está em curso e eles vão tentar implantar o mais rápido possível. Cabe saber se o governo tem capacidade de liderar o Congresso para a aprovação dessas medidas”, avaliou o professor.

 

“O desabamento do petismo é um fracasso histórico do conceito de inclusão social. O nosso futuro tem de ser sobre a revolução brasileira” – Nildo Ouriques

 

A estrutura racional do governo, de acordo com a análise de Nildo Ouriques, é representada pelo super ministro da Economia e a coesão de uma burguesia agrária, comercial e industrial que hegemonizam o sistema bancário nacional e conferem ritmo à atual gestão.

 

Entretanto, esta coalizão não é capaz de oferecer soluções para os três eixos da campanha de Bolsonaro: economia, segurança pública e corrupção. Para o professor da UFSC, só há uma alternativa:

 

Nildo Ouriques

Nildo Ouriques

“Essa agenda é muito grave porque significa a ampliação da exploração sobre os trabalhadores, um assalto gigantesco sobre o Estado e o aprofundamento da dependência do país, então não há outra saída para Bolsonaro exceto tentar reformar esse chamado sistema político que reforce o caráter mais nocivo de um presidencialismo que está sendo usado contra o povo. [Fernando Henrique] Cardoso falou nisso e não fez; Lula, um político vulgar, falou nisso e não fez; Dilma falou nisso e não fez; e Michel Temer não estava lá para fazer coisa nenhuma a não ser dar sequência ao ajuste que a presidente Dilma começou”.

 

A origem da organização da economia brasileira remete à instabilidade internacional do capitalismo ocorrida pouco mais de 10 anos atrás, que teve como marco a falência do tradicional banco de investimento dos Estados Unidos Lehman Brothers.

 

“O que estamos vivendo hoje ainda é fruto da crise de 2008. Aquele modelo é mantido artificialmente por uma política anticíclica que dura um pouco, mas é de fôlego curto e se esgota. A partir daquele momento, se coesionou uma política de implantação de uma agenda ultraliberal. O PT cai porque não consegue entregar na velocidade e na profundidade que era desejada, não significa que não entregasse na direção. O Temer entrou com uma série de debilidades, obviamente não conseguiu aprofundar como se desejava, e hoje essa é a perspectiva do Bolsonaro”, observou Gustavo Gindre.

 

“Hoje não temos uma organização sindical e política. Todos os sindicatos, com raríssimas exceções, são pelegos” – Guilherme Haeser

 

A alternância de poder entre PSDB e PT na presidência trouxe reflexos negativos ao país. O professor Luiz Carlos de Oliveira e Silva considera que o debate ficou restrito a temas de pouca relevância, ocultando as reais necessidades da população.

 

“O consórcio PT-PSDB formou um sistema, o PT guarnecia a fronteira à esquerda de intrusos e o PSDB guarnecia a fronteira à direita. Esse sistema ruiu e durante a vigência dele, uma de suas características mais importantes foi o recalque de toda e qualquer discussão das questões de fundo, passamos 20 anos discutindo minudências. O Fernando Henrique se elegeu duas vezes a favor ou contra o Plano Real, Lula e Dilma se elegeram a favor ou contra o Bolsa Família, estamos há 20 anos sem avançar às questões profundas”, destacou.

 

“Bolsonaro foi a Davos passar vexame, é verdade, mas, por outro lado, deu um recado importante: o Brasil está a venda” – Gustavo Gindre

 

A tradição brasileira de abordar política e economia apenas nos períodos restritos ao calendário eleitoral dificulta a iminente necessidade de se construir uma pauta que dialogue com os temas centrais do país.

 

Luiz Carlos de Oliveira e Silva

Luiz Carlos de Oliveira e Silva

A falta de conscientização da maioria da população propicia o avanço de gestões no Executivo Federal comandadas pelo capital financeiro, o que vem acontecendo seguidas vezes no Brasil. Guilherme Haeser rememorou um momento que sinalizou a essa lógica.

 

“Queria relembrar um episódio que foi a ‘Carta aos brasileiros’ do Lula. Ali foi o simbolismo do ‘eu ganhei a eleição, mas quem governa é o poder econômico na sua fração rentista’. É preciso esclarecer isso. É algo como dizer que tem de se pedir licença para governar, tenho de dizer que vou governar desse jeito para não desagradar ao poder financeiro e que não existe alternativa fora dessa. Na verdade, todos os governos se submetem, e os que tentam mudar isso de alguma forma, enfrentam uma guerra muito forte”, citou.

 

A organização popular em torno dos assuntos que não interessam à burguesia nacional, mas satisfazem a busca por igualdade social, como a independência econômica, é posta como essencial pelos debatedores.

 

“A questão de ser possível ou não [o debate] nesse momento sequer deve ser cogitada, ela é absolutamente fundamental para que tenhamos um país. Tem se dito muito recentemente que temos de voltar às bases, e precisamos mesmo, reconstruir a organização da esquerda no Brasil, mas é preciso ter por projeto porque não adianta você dialogar se não tiver projetos. Dois debates que desapareceram no país são ciência e tecnologia e política industrial, questões absolutamente centrais do século XXI e a esquerda abandonou”, comentou Gustavo Gindre.

 

Acompanhe o debate na íntegra abaixo:

 

 

Debate em 25.01.2019

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