O período de seis meses não costuma ser tempo suficiente para mudanças profundas no processo político mundial. As grandes transformações sociais provocadas por alterações no espectro ideológico de uma nação atravessam intervalos históricos mais longos. O Brasil de Jair Bolsonaro aparece para subverter a lógica.

O desmonte do Estado nacional em tempo recorde tem levado o país a um estado de anomia poucas vezes visto em outras nações. As medidas restritivas de direitos, a destruição de políticas públicas voltadas à saúde e à alimentação saudável, o ataque frontal à educação, entre outras, nos colocam sob desconfiança internacional.

Frederico Falcão

O programa Faixa Livre convidou três historiadores para tentarem traçar um paralelo entre o momento que o país atravessa e os acontecimentos que forjaram a trajetória das sociedades. São eles o professor aposentado da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Frederico Falcão, o docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do Modecom Licoln de Abreu Penna e o membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Hiran Roedel.

Nem mesmo o mais pessimista dos analistas de política seria capaz de prever todos os retrocessos provocados pela mistura da falta de competência administrativa, ideais que transitam entre o inacreditável e a ignorância e o desprezo aos alicerces democráticos estabelecidos pela Constituição de 1988.

“Os seis meses de governo Bolsonaro nesse turbilhão de crises é uma surpresa pra todo mundo, ninguém imaginou que ele fosse ser uma catástrofe assim tão veemente. Nenhum governo chegou com seis meses com tanta queda de popularidade. É a crise do avião presidencial em Sevilha, é a crise no Congresso”, destacou Roedel.

Na última quinta-feira (27), aliás, uma nova pesquisa divulgada pelo Ibope apontou que o índice de reprovação da gestão Bolsonaro chegou a seu patamar mais alto. Os números mostram que 32% dos brasileiros avaliam o governo como ruim ou péssimo, mesma porcentagem dos que consideram ótimo ou bom.

Entretanto, apesar de todos os problemas demonstrados até aqui, a tese de uma administração falha no Executivo federal não é unânime. O ex-professor da UFRRJ acredita que o caos provocado pelo político do PSL nada mais é que a aplicação de um programa construído e propalado durante a campanha presidencial.

“Ele foi eleito com o discurso de destruir o que está aí, não foi com o de construir, não apresentou para a sociedade projeto nenhum, depois de eleito não encaminhou projeto nenhum. Vamos pegar só um exemplo que está muito discutido nesse momento, a questão da Amazônia, destruir o modelo de proteção do meio ambiente. Ele entrou metendo o pé na jaca”, citou.

Hiran Roedel

Outro retrato da ingerência de Bolsonaro se dá no Ministério das Relações Exteriores, confiado a um recém-promovido ao posto de Embaixador, o diplomata Ernesto Araújo. Ele foi alçado à titularidade da Pasta depois de publicar textos em um blog elogiando o atual presidente e exaltando sua intenção de ajudar o mundo a se libertar de um suposto globalismo, uma ideologia anticristã, em sua opinião.

“O que está ocorrendo no Itamaraty, que é um patrimônio da história do Brasil desde a época do Império no sentido de que é respeitado internacionalmente. A diplomacia brasileira está entregue a um indivíduo não só despreparado, mas vocacionado para destruir tudo o que se fez de bom na relações internacionais em que o Brasil tem participado com algum protagonismo do ponto de vista evidentemente de um país emergente”, analisou Penna.

A postura dos representantes do campo progressista na institucionalidade, especialmente da bancada do PT, a maior do Congresso, é alvo de críticas daqueles que defendem um ataque frontal às atitudes do ex-capitão do Exército.

O militante do Partido Comunista Brasileiro pontuou que o processo histórico pode ser usado para entender o estado anímico das legendas socialistas no país diante da ineficiência de suas posturas:

“A esquerda tem de compreender o mundo em que ela está. Ainda temos uma esquerda que avalia muito a partir de um olhar do século XX. Esse capitalismo mudou, essa burguesia se internacionalizou cada vez mais. O que vemos em termos do projeto Bolsonaro é justamente essa destruição do Estado, mas não simplesmente pela destruição, abrindo grande espaço para a internacionalização, no campo da educação a gente vê isso. Esse ministro da Educação é vinculado aos interesses do capital internacional”.

O papel dos opositores do político de extrema-direita na construção de um caminho que nos recoloque na trilha democrática passa por coordenar uma ampla coalizão, especialmente fora do espectro governamental, algo que já foi utilizado com sucesso em outros momentos da nossa história.

Lincoln de Abreu Penna

“Temos uma oposição hegemonizada por uma visão institucionalista, ou seja, acredita-se que a partir das instituições, do Congresso e do Judiciário você vai dar respostas a uma crise que é muito mais ampla, onde inclusive as próprias instituições fazem parte dela. A esquerda tem de assumir a responsabilidade de apresentar um projeto alternativo para essa sociedade, e ele não vai sair da cabeça iluminada de nenhum dirigente de partido, é dialogando com a sociedade. Não vamos inventar a roda, a esquerda sempre fez isso ao longo do século XX, derrubou até ditaduras aqui no Brasil quando organizou as massas, dialogou com a sociedade, criou uma situação em que não é ela quem apresenta única e exclusivamente a saída”, avaliou Roedel.

A grande imprensa, responsável constitucionalmente por controlar e revelar as coisas respeitantes à vida da sociedade, atuando como alternativa à versão estatal, apenas reafirma os discursos restritivos do Palácio do Planalto, como a malfadada contrarreforma da Previdência, prestes a ser levada ao Plenário da Câmara dos Deputados.

“Esses caras não ouvem os especialistas da esquerda mostrando o que é essa reforma, essa e outras que foram implementadas pelo mundo e que destruíram com os trabalhadores e o povo pobre. E a lógica deles é a do Governo Federal, é a lógica da burguesia”, disse Frederico.

Ouça o debate na íntegra:

Debate em 28.06.2019