Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
Um dos raros temas de convergência nos discursos de progressistas e militares é a busca pela soberania nacional, que passa obrigatoriamente pela manutenção de empresas estratégicas sob o controle estatal e o direito à exploração de nossas riquezas naturais. Entretanto, uma das principais delas sofre ameaça real nos últimos anos: o petróleo.
O programa Faixa Livre convidou para discutir as questões que permeiam o assunto o vice-diretor da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet) Fernando Siqueira, o diretor do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) Vinícius Camargo e o professor de Economia Política da UFRJ e membro do grupo de estudos estratégicos e propostas (GEEP) da Federação Única dos Petroleiros (FUP) Eduardo Costa Pinto, em sequência aos debates especiais de fim de ano.
Presidente da Aepet durante alguns anos e defensor da estatal brasileira, Fernando Siqueira fez um resumo histórico do processo de desmonte da Petrobras, que teve seu marco inicial na gestão de Fernando Henrique Cardoso.
“A partir descoberta do pré-sal, as pressões sobre a Petrobras foram grandes, a começar pela ideia de Lula de fazer uma nova legislação porque a aquela deixada por FHC era muito ruim. A Lei 9478/97 dá todo petróleo a quem produzir e o Brasil fica com cerca de 30% a 40% em impostos. No resto do mundo, os países exportadores ficam em média com 82% do que produzem”, disse.
“Na mesma época que o pré-sal foi descoberto, em 2007, o governo americano reativou a 4ª frota naval e a colocou no Atlântico Sul, onde estão Brasil e Argentina. A Argentina já tinha desnacionalizado o petróleo, portanto os navios americanos vieram para ‘proteger’ o pré-sal, para pressionar o governo brasileiro”, continuou o vice-diretor de comunicação da Aepet.
“Em 2013, houve aquele movimento de rua bastante suspeito. Os Black Blocs e os Anonymous são instituições internacionais que fomentaram aquele movimento. A popularidade de Dilma despencou e ela entregou o Campo de Libra, um dos maiores do pré-sal. O Brasil ficou apenas com 40% e esse valor vai declinando ao tempo que a produção acontece”, seguiu.
“Quando o presidente Temer assumiu, o [jornalista] Glenn Greenwald disse que ele foi aos Estados Unidos combinar a entrega do patrimônio nacional. Na volta, nomeou Pedro Parente na presidência da Petrobras, que retomou o processo de desnacionalização que havia iniciado em 2001 com [Henri Philippe] Reichstul [ex-presidente da Petrobras], quando chegou a mudar o nome para Petrobrax para facilitar a pronúncia de seus futuros compradores. Depois de reassumir a empresa, Parente iniciou uma venda de ativos altamente perniciosa. Fizemos um voto na assembleia de acionistas, em abril desse ano, a denúncia de que a Petrobras perdeu R$ 200 bilhões com essa venda de ativos”, decretou Siqueira.
O Plano de Negócios e Gestão da companhia petrolífera exemplifica as perdas provocadas pela entrega de riquezas nacionais. Em dados apresentados pelo dirigente da Aepet, no documento produzido em 2017 e relativo ao quinquênio que vai até 2021, a geração operacional de caixa da empresa era prevista em US$ 158 bilhões.
“Os trabalhadores da Petrobras correm riscos com a política de Segurança, Meio Ambiente e Saúde que a empresa implementa” – Vinícius Camargo
Neste ano, o valor passou a US$ 142 bilhões, uma queda de cerca de 10%. Os indicadores no período 2019-2023 apontam para uma perda ainda maior, com geração de caixa aproximada na casa de US$ 110 bilhões.
O anúncio da descoberta das jazidas do pré-sal elevou a Petrobras ao seu maior patamar histórico, apontada por especialistas como uma das três principais petrolíferas do mundo. O que se vê desde então é uma queda no valor da companhia a partir de gestões desastrosas, inclusive nos governos petistas.
“A própria Lei de partilha apontava a possibilidade de se entregar 70% do petróleo nacional nos leilões. Ela não prevê e não previa um percentual mínimo da parcela óleo-lucro de reversão dos ganhos da renda do petróleo da nação. Vemos agora os resultados a partir de uma legislação equivocada, contrária aos interesses nacionais. Ao invés da proteção à nação, vimos uma garantia para continuidade dos leilões”, destacou Vinícius Camargo.
A Lei 12351/10, editada no final do governo Lula e que estabeleceu o regime de partilha da produção para as áreas do pré-sal e aquelas tidas como estratégicas, além de criar um Fundo Social e uma empresa pública (Pré-Sal Petróleo S.A. – PPSA) para gerir o excedente de óleo dos acordos, exigiu que a Petrobras fosse operadora do contrato com participação mínima de 30% sobre as áreas licitadas.
A atual política de venda de campos do pré-sal teve como argumento dos privatistas a necessidade de redução do endividamento da Petrobras, que aumentou a partir de 2010 principalmente para sustentar os investimentos realizados na exploração da camada profunda de óleo.
“O endividamento acelerou em uma dimensão muito forte e chegou a um patamar de desafio financeiro em 2015, causado por três motivos: uma forte desvalorização cambial de quase 42%, sendo que quase 80% da dívida da Petrobras é em dólar, uma redução da geração de caixa com a queda do preço do petróleo em 2015 para quase US$ 40 o barril, e outro elemento importante é a política de preços que reduziu, durante o governo Dilma, a geração de caixa no abastecimento, na venda de derivados”, pontuou Eduardo Costa.
“Sistema financeiro internacional reconhece a capacidade de pagamento da Petrobras pelo patrimônio que tem” – Fernando Siqueira
Os leilões do pré-sal foram iniciados em 2013, com a partilha do Campo de Libra, que teve como vencedor o consórcio formado por Petrobras, Shell, Total, CNPC e CNOOC, único a apresentar proposta. O grupo ofereceu à União o repasse de 41,65% do excedente em óleo extraído, percentual mínimo fixado pelo governo no edital.
“Naquele momento, a Petrobras estava acelerando o investimento e boa parte dele era realizado com lucro retido. A empresa aumentou muito seu endividamento em um cenário de choque externo de queda do preço do petróleo em 2015. A questão é que a partir da gestão [Aldemir] Bendine e da aceleração dessa política com o [Pedro] Parente, esse argumento foi utilizado como a ideia de que a empresa estava quebrada. Junto com a corrupção e com a questão financeira, você tinha um desafio”, comentou o professor da UFRJ.
“No patamar em que estava, a desalavancagem era quase natural, que é reduzir a dívida em relação à geração de caixa. Essa relação chegou a quase cinco em 2015, o que é muito alto mesmo para uma empresa que precisava alavancar para aumentar o investimento. O Parente estabeleceu uma meta de 2,5 dessa relação até 2018, isso forçou necessariamente o desinvestimento muito acelerado que hoje está afetando até mesmo a própria produção”, continuou.
No trimestre que se encerrou em setembro, a Petrobras produziu um total de 2,514 milhões de barris de petróleo e gás natural, o que representa uma redução de 8,55% em relação ao mesmo período em 2017. Já em comparação aos três meses anteriores, a queda é de 5%. Panorama semelhante é observado ao longo de todo ano.
“Tanto Bendine, quanto Parente retomaram uma lógica dos anos 1990 que é de gerar lucros para acionistas minoritários” – Eduardo Costa Pinto
“O ponto central é que se você acelera a desalavancagem e vende esses ativos, perde a geração de caixa futuro. No petróleo, as decisões tomadas hoje vão refletir daqui a cinco, seis anos. Estamos vivendo hoje já parte dos reflexos das decisões tomadas em 2015 e 2016”, disse Eduardo Costa.
Em maio passado, acompanhando a greve dos caminhoneiros, que reivindicavam a alteração da política de preços dos combustíveis e culminou com o pedido de exoneração de Pedro Parente da presidência da estatal, os petroleiros realizaram paralisação.
O movimento teve baixa adesão após ação uma ajuizada pela Petrobras e Advocacia-Geral da União (AGU) no Tribunal Superior do Trabalho que estipulou aos sindicatos multa de R$ 500 mil por dia parado. O TST considerou a paralisação abusiva.
“Os petroleiros se mobilizaram, fizeram pressão contra as direções sindicais e iniciaram a greve até antes do que foi programado, só que existiam duas determinações: uma greve por três dias, pela Federação Única dos Petroleiros, e outra por tempo indeterminado, organizada pela Federação Nacional dos Petroleiros. Com uma greve de um dia e meio, derrubaram o Parente”, destacou Vinícius Camargo.
Os militares que tomam posse com Jair Bolsonaro em janeiro mais uma vez são a esperança de mudança do quadro, com o fim da política de privatizações. Fernando Siqueira lembrou de um fato histórico que corrobora suas palavras.
“O movimento ‘O petróleo é nosso’ surgiu no Clube Militar. Os militares têm um sentimento muito nacionalista e acredito que podem ser um freio na sanha privatista de Paulo Guedes para salvar a Petrobras”, avaliou.
Ouça abaixo o debate na íntegra:
Debate em 11.12.2018
Text