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Bom dia, ouvintes do Programa Faixa Livre! Há exatos 55 anos, no dia 1o de abril de 1964, se implantava uma Ditadura Militar no Brasil, apoiada pela elite empresarial formada por banqueiros, donos de terra, pela maioria dos meios de comunicação e parte da Igreja Católica. Com o apoio dos EUA, como fica comprovado em documentos vindos a público recentemente, a ditadura militar brasileira duraria 21 anos.
É com absoluta perplexidade que democratas se deparam hoje com o questionamento em relação ao fato de ter ou não ter havido um golpe em 1964. Para que cada um forme sua própria opinião, é necessário que se analise os fatos reais ocorridos no Brasil naquele período. O argumento apresentado para o que chamamos de golpe, era uma pretensa ameaça comunista que estaria sendo gerada no âmbito do Governo João Goulart. Nada mais distante da realidade do que esta desculpa esfarrapada.
Vamos a alguns fatos. O presidente João Goulart, conhecido como Jango, era um advogado proprietário de terras no Rio Grande do Sul. Foi deputado estadual e federal pelo Rio Grande, Ministro do Trabalho no segundo Governo Getúlio Vargas, vice-presidente da República de Juscelino Kubitschek e de Jânio Quadros e finalmente presidente da República após a renúncia de Jânio. O objetivo tanto de Jango, como de seu PTB, era fazer no Brasil o que a Europa e os EUA já tinham realizado há décadas: fortalecer a indústria nacional, realizar uma reforma agrária para fixar famílias no campo, aumentar e diversificar a produção de alimentos, redistribuir a renda de forma menos desigual, aprovar no Parlamento uma legislação com mais direitos ao trabalhador, ampliar a oferta de educação e saúde de qualidade, além de outras reformas democráticas, como a ocorrida em 1962, quando Jango assina a Lei da Remessa de Lucros, limitando o envio do lucro das empresas estrangeiras para o exterior, mecanismo que já era amplamente utilizado em vários países capitalistas. Esse programa de Jango – conhecido como Reformas de Base – nada tinha de comunista, como afirmavam e seguem afirmando os patrocinadores do golpe de 64. Tratava-se de uma disputa de projetos entre o capital nacional, que buscava a autonomia econômica para o país e um outro projeto, colonialista e subserviente aos interesses do capital internacional, especificamente dos EUA.
É importante lembrar que em 1964 a luta armada estava completamente fora dos planos dos dois partidos de esquerda existentes na época (o PCB e o PCdoB). Ambos defendiam e atuavam no sentido de se promover uma revolução democrático-burguesa e anti-imperialista no Brasil, nos marcos estritos da legalidade, através de eleições e do fortalecimento das organizações de representação dos trabalhadores e da sociedade. O que os promotores do golpe queriam evitar não era a implantação do comunismo, mas reformas que trariam mais justiça social, menos desigualdades e fortalecimento da economia nacional.
O crescimento do movimento pela reforma agrária, como o das Ligas Camponesas no nordeste; a entrega de títulos a agricultores sem terra no Rio Grande do Sul e as estatizações de empresas estadunidenses como a Light, a ITT e a Bond and Share (medidas, vale repetir, absolutamente necessárias no sentido de melhorar os serviços por elas prestados à população e compatíveis com o desenvolvimento do capitalismo brasileiro de então), confrontavam o projeto de uma economia subserviente aos interesses internacionais. Essas mediadas fizeram com que o espectro do comunismo fosse utilizado pelos golpistas para derrubar o proprietário de terra e humanista Jango. Na verdade eram medidas que em muito se assemelhavam às tomadas por outros países capitalistas que buscavam elevar seus níveis de desenvolvimento social, econômico, cultural e político.
Se aproveitando do contexto internacional de Guerra Fria, onde o mundo se dividia entre a influência soviética ou estadunidense, a ditadura militar brasileira logo mostra a que veio: proíbe o funcionamento de todos os partidos políticos, cassa 173 deputados eleitos, retira os direitos políticos de 509 opositores do regime, passando a perseguir, demitir sumariamente, prender, sequestrar, torturar, assassinar, desaparecer com os corpos e exilar opositores. Tudo em nome da pretensa ameaça comunista.
Um ano após o golpe, é fundada a Rede Globo , que passa a cumprir um papel essencial de sustentação do regime militar e disseminando uma única verdade à opinião pública sobre os processos políticos, econômicos e sociais. Os principais lemas dos governos militares eram “Exportar é o que importa!”, “Primeiro crescer para depois dividir” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”.
As ações armadas de pequenos grupos de esquerda começam a ocorrer anos depois do golpe, já em 1969, após a ditadura decretar o Ato Institucional Nº 5, em 13 de dezembro de 1968, que fecha o Congresso Nacional, acaba com direitos civis constitucionais, proíbe reuniões, manifestações, revoga o habeas corpus para o que a ditadura considerava crime político e permite que se prenda opositores sem o devido processo legal, mantendo-os incomunicáveis. Na prática, o regime institucionalizava a prática da tortura nos vários órgãos de repressão política.
Nos 21 anos de ditadura o governo federal, os estaduais e os municípios considerados de Segurança Nacional (todas as capitais de estado e cidades de porte médio) são dirigidos pelos indicados pelas Forças Armadas. A ditadura institui a censura à imprensa, à música, ao teatro, ao cinema, à literatura, aos espetáculos públicos e até fotografias eram censuradas! Uma única narrativa sobre projeto de nação se instituiu e se dissemina.
Na economia, sob a lógica de “esperar o bolo crescer para depois dividi-lo”, e do slogan do “milagre econômico”, os governos ditatoriais produziram um notável processo de concentração da riqueza e o crescimento de uma dívida externa e interna que até hoje compromete seguidas gerações de brasileiros. Esse modelo produziu desemprego e enorme carestia das condições de vida da grande maioria da população.
Ao contrário do que alguns desinformados e apoiadores do golpe disseminam hoje, a violência urbana e rural campeavam nos anos de ditadura. Foram assassinadas pelos esquadrões da morte e por figuras grotescas como a que se autoproclamava “Mão Branca” milhares de pessoas inocentes nos bairros pobres.
A ditadura militar também é marcada por escândalos de corrupção. Militares e civis que os apoiavam enriqueceram à sombra de obras como a Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, usinas nucleares e outras. A censura à imprensa impedia que a sociedade fosse informada destes fatos. Escândalos como os da Coroa-Brastel, a falência da Caderneta de Poupança Delfim e a malversação de fundos como até o da Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares) eram de conhecimento público. A imprensa alternativa, os estudantes, um incipiente movimento operário que havia sido dizimado em 1964 e os panfletos distribuídos na rua pelos que resistiam à ditadura denunciavam os descalabros. Para evitar que estas denúncias e atos de resistência viessem a público, bancas de jornais que aceitavam vender jornais alternativos eram queimadas por grupos paramilitares. Investigações sobre esses fatos nunca iam à frente.
Brasileiros que resistiam à ditadura eram perseguidos pelos órgãos de inteligência e informação do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Militar e Polícia Civil dos estados. Quando presos, eram julgados pela Justiça Militar, por infringirem a Lei de Segurança Nacional criada pelos próprios militares.
Grupos paramilitares como o Comando de Caça aos Comunistas eram responsáveis por explosões de bombas como as na OAB, no gabinete da Câmara de Vereadores do Rio ocupado por Antonio Carlos de Carvalho, parlamentar democrata, e em jornais independentes. Também invadiam camarins de teatro para espancar atores, como ocorreu em São Paulo. Dois militares dos serviços de informação portavam a famosa bomba do Riocentro em um show do 1o de Maio de 1981. Se um deles não tivesse cometido o erro que fez o artefato explodir em seu próprio colo, dezenas de pessoas poderiam ter morrido naquele atentado.
O restabelecimento da democracia no Brasil – mesmo sendo ela uma democracia que precisa em muito ser aprimorada – custou caro aos brasileiros. Querer comemorar o que ocorreu em 1o de abril de 1964 só cabe na cabeça dos que têm como projeto a eliminação de pessoas e grupos sociais que confrontam os interesses do capital internacional e do colonialismo cultural em nosso País, de pessoas que celebram a eliminação de brasileiros como Marielle Franco, lideranças dos sem terra e indígenas, de parlamentares como Jean Wyllys, e que mantêm presas adversários políticos graças a processos jurídicos seletivos e repletos de ilegalidade.
São os mesmos que entregam o patrimônio nacional como a Base de Alcântara, que querem destruir o pouco que existe de seguridade social garantido pela Constituinte Cidadã e que chegaram ao poder através do voto, mas utilizando mentiras disseminadas aos milhões através de empresas estrangeiras nas redes sociais, e que seguem impunes. Como ocorreria em qualquer país minimamente civilizado, para o resto de nossa História, o 1º de Abril será sempre um dia para se repudiar a ditadura e todas as suas consequências!
Ouça o comentário de Álvaro Nascimento: