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Editorial – 02.07.2019

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Ontem estiveram reunidos na Coppe os ex-ministros de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, e seguindo iniciativa semelhante que já fora tomada por ex-ministros da área da Educação, do Meio Ambiente e Relações Exteriores, eles também se manifestaram de forma muito preocupante em relação às iniciativas do governo Bolsonaro e produziram uma carta com o título “Ciência, tecnologia e inovação em estado de alerta”. Os termos dessa carta são os seguintes:

 

Nós, ex-ministros de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), vimos a público manifestar a nossa profunda preocupação diante das ameaças no tocante à Educação, em geral, e à CT&I em particular. Agravam-se os cortes orçamentários drásticos que poderão levar a um retrocesso sem paralelo na história da Ciência brasileira, área essencial e crítica, tanto ao desenvolvimento econômico e social quanto à soberania nacional.


Invariavelmente, as nações desenvolvidas são aquelas que têm Ciência e Tecnologia próprias e capacidade aprimorada de inovação. Em desenvolvimento são as que apostam no conhecimento científico, buscam ter tecnologia própria e a fortalecer sua capacidade de inovação. Umas são soberanas, altivas; outras tendem a ser dependentes, inseguras.


Nosso País, em que pese ter uma dívida histórica e avanços importantes recentes com a Educação, Pesquisa e Desenvolvimento, conseguiu saltar sobre as suas próprias debilidades estruturais (má distribuição de renda, infraestrutura precária de saneamento, transportes e habitação e atendimento insuficiente de saúde e segurança) para se projetar no mundo como o 13º maior produtor de conhecimento, considerados os artigos publicados em revistas científicas indexadas.


Com muito esforço, formamos um corpo de pesquisadores, especialmente nas universidades públicas, nos centros de pesquisa e nas empresas, que atuam na fronteira do conhecimento em áreas de ponta. Foi uma construção de décadas e de muitas gerações, um engajamento que envolveu civis e militares, desde o pós-Segunda Guerra Mundial, e que atravessou diferentes governos. Como em outros países, o Estado Nacional soube financiar e prover os centros de conhecimento até ao ponto que pudemos erguer, nas últimas décadas, um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esta é a riqueza da nossa Nação e nosso principal passaporte para a sociedade do conhecimento.


Como exemplos da maturidade da Ciência nacional alcançada nos últimos anos, podemos citar as tecnologias de ponta mais avançadas do mundo em exploração de petróleo em águas profundas; a agricultura de alta produtividade, desenvolvida a partir de pesquisas realizadas nos âmbitos universitário, governamental e empresarial; a construção de um novo acelerador de partículas de terceira geração; o enriquecimento de urânio e construção de um reator multipropósito para produção de radioisótopos utilizados na Medicina; o monitoramento e manejo ambiental, que previne desastres naturais e contribui na preservação da Amazônia; a Medicina avançada e vacinas desenvolvidas em instituições de pesquisa e universidades públicas.

 

Cabe destacar ainda nossa capacidade de projetar e construir aviões, resultado de avanços tecnológicos que contaram com robustos investimentos de recursos públicos em P&D, que incluiu o Brasil entre os oito países fabricantes de aeronaves no mundo, a despeito da venda da gigante brasileira à empresa Boeing.

 

Tais conquistas da Ciência e da capacidade inovativa brasileira podem ser percebidas também em numerosas empresas estabelecidas em diferentes setores da atividade econômica, bem como no ambiente propício ao surgimento de “startups” tecnológicas.


O investimento de recursos executados nas últimas décadas permitiu ao País fortalecer seus grupos de pesquisa, impulsionar as inovações nas cadeias produtivas estratégicas e na capacitação de sua mão de obra, abrindo, dessa forma, espaço para mudanças nos processos de trabalho e no perfil de qualificação do trabalhador. Havia nos governos anteriores consenso quanto à relevância do desenvolvimento científico e tecnológico, sabíamos que uma base econômica sólida, precisava estar apoiada em um processo endógeno e dinâmico de geração de conhecimento e inovação, associado à expansão das universidades públicas e institutos federais. Foram inegáveis os avanços, objetivando minorar os graves problemas de desigualdades sociais e competitividade sistêmica.


Para o funcionamento do Sistema Nacional de CTI são essenciais as bolsas de pós-graduação do CNPq e da Capes, assim como a Finep, a Embrapii e fundos de financiamento que compõem o FNDCT, que está sofrendo um grande contingenciamento que compromete ações essenciais na área. Da mesma forma, os Institutos de Pesquisa e as Organizações Sociais vinculadas ao MCTIC vivenciam cortes, cada vez maiores, e que comprometem a sua produção. No eixo central, precisamos de proposições estratégicas que sejam lúcidas o bastante para o fortalecimento das ciências básicas, valorizando as ciências sociais e humanas, o desenvolvimento de novas tecnologias e de políticas socioeconômicas, que venham atender ao crescimento mais inclusivo, sustentável e inteligente.


Entretanto, vivemos hoje a maior das provações da nossa história. Não podemos concordar com as recorrentes manifestações, por parte de autoridades do governo, que negam evidências científicas na definição de políticas públicas. As pesquisas são fundamentais para o País avançar em direção a um desenvolvimento econômico, com inclusão social, respeito aos direitos humanos e sustentabilidade ambiental, que preserve nossos recursos naturais estratégicos.


Esta bandeira pelo conhecimento não tem partido e não pertence somente à comunidade científica, acadêmica e empresarial, mas deve ser levantada por toda a sociedade. A linha de continuidade é o entendimento de que o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia & Inovação constitui uma Política de Estado.


Os extraordinários avanços da economia digital, da inteligência artificial, biotecnologia, automação e robótica, internet das coisas, novos materiais estão mudando rapidamente as formas de produção no mundo e estabelecendo um novo paradigma tecnológico com imensos desafios ao trabalho humano e ao Brasil como nação. O dispêndio em CT&I é um investimento virtuoso e estratégico. Desqualificar as universidades públicas que produzem mais de 90% da pesquisa brasileira e a privatização de empresas estratégicas são equívocos que podem custar caro à sociedade brasileira.


Não podemos permitir a criação de condições que estimulem a evasão dos nossos melhores cérebros. Não podemos aceitar a ausência de representantes da comunidade científica em Comitês e Conselhos Governamentais que discutem políticas públicas. É preciso garantir esperança para as futuras gerações!


O desafio é enorme e urgente, o Brasil precisa avançar a uma velocidade superior à da fronteira do conhecimento, sob pena de termos, na melhor das hipóteses, uma estagnação relativa. É urgente a transversalidade da CT&I na gestão pública, como instrumento para a recuperação econômica e transformação do país em Nação sustentada pelo conhecimento.

 

Eis aqui o nosso chamado para que a sociedade brasileira se comprometa e se mobilize na defesa da Ciência, do Conhecimento e da Tecnologia, patrimônios de uma Nação.

 

Rio de Janeiro, 1º de julho de 2019.

 

Ex-ministros de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação
Aldo Rebelo
Aloízio Mercadante
Celso Pansera
Clélio Campolina
José Goldemberg
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Marco Antonio Raupp
Roberto Amaral
Ronaldo Sardenberg
Sérgio Machado Rezende

 

Ouça o comentário de Paulo Passarinho:

 

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