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Editorial – 03.01.2022

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Começamos um dos anos mais difíceis da história política do nosso país. Ano de eleições presidenciais, em que precisamos superar a tragédia que é a gestão de Jair Bolsonaro em todos os sentidos. Ano de sepultar dois fantasmas que há tempos rondam o nosso país, um deles que se apresentou de maneira mais evidente após a ascensão do bolsonarismo, que é o do autoritarismo. Não foram poucas as vezes ao longo desses três anos de mandato que o ex-capitão flertou com o fechamento do regime.

 

O outro é o fantasma do ultraliberalismo, esse que corrói as estruturas sociais do nosso país, que empobrece a maioria e enriquece quem historicamente sempre foi privilegiado, que amplia a desigualdade. Fantasmas que só serão superadas com mobilização e com a construção de um projeto de país. Nós falaremos muito a respeito disso durante 2021, mas eu também quero aproveitar esse primeiro editorial do ano para ler um longo, mas primoroso texto escrito pelo jornalista Milton Temer e divulgado nas suas redes digitais, onde ele fala dos desafios que teremos pela frente. O Milton diz o seguinte:

 

Porque estamos em um ano de campanha presidencial, recorro a um tempestivo texto de Lenin, “Nosso Programa”, escrito em 1899, bem distante, portanto, da “Revolução de Outubro”. Tudo a ver com o debate no campo da esquerda que realmente pensa a necessidade de uma transformação estrutural qualitativa das relações sociais, como forma de construir um Brasil diferente desse poço sem fundo de desigualdades e desalento ora vigente. O que dizia Lenin, num contexto de partido fraco e proletariado débil, numa esquerda fragmentada em torno das interpretações moderadoras das teorias revolucionárias e Marx?

 

(…) Acreditamos que, para os socialistas russos é particularmente necessário impulsionar, de forma independente, a teoria de Marx. Porque essa teoria aponta somente os princípios gerais orientadores, que se aplicam em particular à Inglaterra, de um modo distinto do aplicado na França; à França, de um modo distinto ao da Alemanha; à Alemanha, de um modo distinto ao da Rússia’. As Revoluções não têm modelo único, nem teoria estática, é o que afirmava Lenin no confronto com revisionistas que se dedicavam a adaptar o pensamento do Mouro a uma acomodação à Ordem.

 

Recorro a Lenin, porque a História nos propicia a possibilidade de saber que exemplos existem para que, no presente, tenhamos referências concretas, específicas, para pensar o futuro. E essa é uma questão fundamental neste ano em que se fala de disputa polarizada, como se tivéssemos opções ideológicas antagônicas no confronto entre Lula e Bolsonaro. Não temos. O que temos, até agora, é uma disputa no âmbito da ordem estabelecida, onde nem a luta econômica tem parâmetros definidos, quanto mais a luta política.

 

A luta institucional só tem sentido, para a esquerda combativa, se ela abrir caminho para a ruptura dessa institucionalidade formal, para a superação desse Estado a serviço de uma classe dominante medíocre, predadora, rentista, sem projeto nacional mesmo de linha conservadora como o vivido no governo Geisel. Uma classe dominante desprezível, onde pontificam banqueiros, latifundiários grileiros, que não escondem sua subalternidade sem peias à globalização financeira e à prática intervencionista do imperialismo americano e de seus governos acólitos.

 

Mantido o debate nos termos de que ‘temos que humanizar as relações entre brasileiros’ como se esse tratamento igualitário de socialmente desiguais não antecipasse um claro favorecimento, por parte do autor da frase, aos maganos do grande capital, corresponde a ‘americanalhizar’ o processo sucessório brasileiro, para recordar categoria do saudoso Carlos Nelson Coutinho. Corresponde a reproduzir aqui a substituição dos seis por meia dúzia no ‘confronto’ entre Republicanos e Democratas, as duas tendências do Partido Único, o Partido que gere os interesses do expansionismo militar e econômico dos Estados Unidos. Dito isso, fico à vontade para a provocação:

 

A revolução anticapitalista brasileira não virá por ruptura insurrecional. Não virá por greve geral nacional. Ou ela virá por via institucional, num processo muito mais para o Chile de Salvador Allende do que para a Cuba de Fidel Castro, ou ela não virá. Somos um país continental, com regiões e nações internas, incapazes de serem unificadas num processo insurrecional que mobilize simultaneamente o povo da Amazônia com o gaúcho do pampa, e estes com os trabalhadores das áreas urbanas e rurais resultantes das relações sociais consequentes da Revolução Digital em mãos de um capital privado hegemonizado pelo setor financeiro.

 

Essa ruptura só vira com a eleição de um presidente que não traia um programa de teor qualitativamente transformador anunciado já em sua campanha, e que com ele conquiste uma maioria a ele incorporada de forma consciente, e que por ele se empenhe. Ou essa ruptura não virá.

 

Esse processo terá que ser de uma dimensão social intensa e profunda, capaz de ganhar a consciência não só de uma classe média bastante resistente, porque condicionada a uma ideologia de alpinismo social consumista, mas principalmente de um setor expressivo das Forças Armadas para o que seja um verdadeiro conceito democrático e popular de desenvolvimento econômico e de soberania nacional.

 

Sim, essas são condicionantes necessária para um combate que terá do outro lado uma tropa fanatizada pela hipótese autoritária, uma tropa antipovo, protofascista e armada, que contará com operadores desde o alto da pirâmide social até o lumpesinato alienado proveniente dos segmentos mais barbarizados das classes trabalhadoras.

 

Armada, também, nos segmentos reacionários do aparelho repressivo do Estado, e seus acólitos no âmbito da sociedade civil por conta das milícias já organizadas e as que vierem a se organizar entre os que montaram seus arsenais na lógica golpista do bolsonarismo.

 

Não haverá outro momento, além da campanha presidencial, capaz de unir o povo trabalhador desagregado pela forma como se estabeleceram as relações sociais com o avanço tecnológico da revolução digital em mãos do capital privado, em torno da consciência da necessidade da ruptura com o que aí é hegemônico.

 

Não haverá outro momento capaz de criar um campo de unidade entre os trabalhadores das áreas urbanas e rurais, de norte a sul, de leste a oeste neste território continental nacional de muitas nações regionais, em torno do caminho único de sua emancipação social do que uma campanha presidencial. Porque não há outro momento em que todos se encontrem diante da opção do modelo de sociedade sob o qual pretendam viver.

 

É numa campanha presidencial que se poderá canalizar e unificar as mobilizações sociais, nas ruas, nas universidades e nas unidades de ensino médio, nos locais de trabalho e nos movimentos contra opressões setorizadas em torno da compreensão de que não há solução permanente contra as sequelas do regime capitalista que não seja a desconstrução e a superação desse regime. Barrando a investida ideológica incessante contra o melhorismo individualista do ‘empreendedorismo’ e da ‘inclusão’, onde oprimidos ‘escalam’ para a condição de opressores.

 

Não há outro momento melhor para a explicação e convencimento sobre a necessidade de se pôr fim à libertinagem do sistema financeiro privado na obtenção de lucros incessantes a despeito da desigualdade social crescente. Fim à libertinagem concedida ao patronato por conta da liquidação crescente dos direitos sociais e trabalhistas. Fim à libertinagem na entrega do patrimônio público ao capital privado, nacional e multinacional. Fim à libertinagem de uma política agrária e de uma política agrícola sob a égide de um agronegócio regido por latifundiários concentrados em exportação de grãos, enquanto a fome ainda grassa em grande parte da população desempregada, informalizada e desalentada.

 

A luta institucional, para a esquerda combativa, transformadora, anticapitalista, não pode ser regida pelo eleitoralismo raso de se limitar a propagar o que não é incômodo para as classes dominantes, numa rendição que não leva a nada distinto do que a manutenção de uma estrada que nos conduza à barbárie, limitada aos projetos pessoais de seus eventuais protagonistas, a esquerda combativa não pode nem assim se classificar.

 

O pessimismo da razão pode tudo. Só não pode sufocar o otimismo da vontade. O otimismo do Ousar Lutar, Ousar Vencer!

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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