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Editorial – 05.02.2019

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Quando surgiram, as milícias anunciavam como objetivo a expulsão de traficantes e de pequenos delinquentes dos locais em que elas se instalaram. Para tal, cometiam homicídios, fazendo justiça com as próprias mãos, e cobravam uma “contribuição” dos moradores. Inicialmente ela era voluntária, mas logo se tornou obrigatória.

 

Integrada por policiais e ex-policiais, as milícias chegaram a ser defendidas por políticos importantes no Rio, como o então prefeito Cesar Maia. Este e outros diziam que as milícias eram “autodefesas comunitárias” e “um mal menor do que o tráfico”.

 

Mas, em algumas comunidades, depois de expulsar os traficantes, as milícias assumiram elas próprias o comércio de drogas, pois o mercado consumidor não desapareceu com a saída dos antigos fornecedores. E houve locais em que elas se associaram aos traficantes, cobrando impostos para permitir que continuassem a vender a droga.

 

Com o tempo as milícias passaram também a grilar terras e a construir irregularmente prédios, cujos apartamentos alugavam ou vendiam, mesmo que não estivessem regularizados. Começaram, também, a obrigar os moradores a adquirir produtos oferecidos por elas, como TV a cabo pirata (chamada de “gatonet”) e botijões de gás, pois essas áreas não contam com serviço de gás canalizado. Os botijões são vendidos a preços mais altos do que os do mercado e as empresas que os comercializam regularmente são proibidas de entrar nas áreas dominadas pelas milícias.

 

As milícias controlam, ainda, o chamado “transporte alternativo” (vans que fazem a ligação das áreas em que atuam com as abastecidas pelo serviço regular de passageiros).

 

Assim, tal como as velhas máfias, elas se constituem num Estado paralelo nas regiões sob seu controle, taxando toda e qualquer atividade econômica e impondo a lei e a ordem.

 

Agem como polícia e como Justiça.

 

Como já tinham intercessões com o Estado e proximidade com figuras do governo e do Legislativo, milicianos resolveram entrar diretamente na política. Alguns de seus líderes tornaram-se deputados e vereadores.

 

Esse processo foi, todo o tempo, sedimentado por crimes, tendo sido assassinados vários líderes comunitários que não se dobravam a seus ditames. Depois, passaram a ser ameaçados políticos que defendiam a investigação dos crimes dos milicianos, ou que apoiavam as demandas de moradores que queriam se ver livres de seu jugo.

 

O deputado Marcelo Freixo, do PSol, foi um deles. Entrou na mira dos paramilitares por ter encabeçado na Alerj, em 2008, a CPI das Milícias. Esta fez um trabalho de profundidade, apontou 170 áreas dominadas por milícias e reuniu vasto material, descrevendo suas formas de funcionamento e sugerindo maneiras de combatê-las. A maioria das propostas foi ignorada pelos governantes. Aliás, esse quadro de promiscuidade das milícias com governantes e políticos em geral se consolidou e foi muito bem retratado no filme “Tropa de elite 2”, de José Padilha.

 

De qualquer forma, informações apresentadas no relatório final da CPI serviram para a condenação de milicianos importantes, alguns já com mandatos de deputados ou vereadores. A partir disso, porém, a vida de Freixo mudou. Pagou um alto preço por ter mexido com os interesses da máfia. Nos últimos 11 anos, tem sido obrigado a viver 24 horas por dia com proteção armada.

 

O deputado federal Jean Wyllys, também do PSol, ao longo de seu segundo mandato foi igualmente ameaçado, e também era obrigado a usar carro blindado e ter segurança armada. As ameaças se dirigiam ainda à sua família. Algumas descreviam a rotina de parentes próximos, citando endereços e números das placas dos carros que usavam. Os criminosos ameaçavam estuprar sua mãe, esquartejá-la e enviar pedaços do corpo ao deputado. Jean pediu investigações à Polícia Federal, mas em vão. No mês passado informou que não assumiria o novo mandato de deputado federal e que deixaria o país, por não suportar mais a vida que estava sendo obrigado a levar.

 

O assassinato de Marielle Franco teria sido obra da quadrilha intitulada “Escritório do Crime”, formada por milicianos. Ela é o principal grupo de extermínio em atividade no Rio, com base em Rio das Pedras, na Zona Oeste e é chefiado por paramilitares homenageados na Alerj pelo filho de Bolsonaro.

 

Com o tempo, as milícias tornaram-se, também, um braço armado de setores da extrema-direita. Têm sido usadas como grupos de pistoleiros de aluguel. Passaram a atuar fora dos territórios de origem, como mercenários do crime, vendendo seus serviços a quem se dispusesse a pagar por eles. Foram contratados inclusive por bicheiros nas disputas internas no mundo da contravenção, segundo a polícia. Seus integrantes têm preparo militar, acesso a armamento moderno e, às vezes, contam com tolerância de colegas policiais, que não vão fundo na investigação de seus crimes.

 

Esse quadro, em si já grave, tornou-se mais preocupante com a eleição de Bolsonaro devido à proximidade da família do presidente com milicianos.

 

O decreto divulgado ontem pelo ministro Sérgio Moro para combater o chamado crime organizado até cita as milícias, ao lado de outras quadrilhas, como o PCC e o Comando Vermelho. Mas até hoje não houve qualquer sinalização de Moro no sentido de que o combate às milícias será prioridade dos órgãos de segurança pública federais.

 

E essa prioridade é necessária. É inaceitável que a proximidade de Bolsonaro e seus filhos com milicianos impeça um combate implacável a essas máfias. Devido a suas ramificações no aparelho de Estado, as milícias são o que há de mais nocivo e perigoso no crime organizado. Têm que ser combatidas e destruídas.

 

Ouça o comentário de Cid Benjamin:

 

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