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Mais uma vez tivemos um final de semana movimentado na política brasileira, em especial por conta das manifestações patrocinadas pelas forças pró-democracia, que, aliás, provocaram uma série de debates na esquerda a respeito de suas realizações. Além disso, o Brasil perdeu para a Covid-19 o economista Carlos Lessa, uma figura importante para o país, foi presidente do BNDES durante o governo de Lula, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas, antes de tudo, um defensor da igualdade social.
Diversos dos nossos ouvintes fizeram suas homenagens a Carlos Lessa nas nossas redes sociais. Fica aqui também nossa lembrança e nossas condolências à família. A respeito de todos esses acontecimentos e da nossa conjuntura atual, eu gostaria de ler como editorial no programa de hoje o resumo de uma importante análise do nosso querido Paulo Passarinho. O texto, na íntegra, estará disponível no nosso site e nas nossas redes sociais e tem como título “Diretas Já”.
“Vivemos um dos momentos mais perigosos de nossa história. A combinação da crise econômica em que estamos mergulhados desde 2015, o surgimento e descontrole da pandemia do Covid19 e a chefia de Estado sob a batuta de um inepto oficial do Exército, convertido em político defensor de milícias e milicianos, nos joga em uma trajetória de desagregação, desmoralização e tragédia.
É necessário dar fim a isso.
A crise econômica que nos impôs a mais grave recessão de nossa história econômica em 2015 e 2016, seguida da longa estagnação de 2017, 2018 e 2019, foi consequência direta de opções assumidas pelo governo de Dilma Rousseff e aprofundadas e agravadas na gestão de Michel Temer. A ilícita vitória eleitoral do capitão de Exército, não expulso da corporação nos anos 1980 por uma peculiaridade judicial, apenas tornou mais dramática essa rota de desatinos.
O conjunto de medidas que vem sendo adotado desde 2015 não se constituem propriamente de equívocos. Trata-se de obedecer à lógica de interesses de bancos e multinacionais, principais beneficiários das mudanças estruturais realizadas no país desde a década de 1990, em torno de quatro reformas: a macroeconômica – sustentáculo da liberalização financeira do país; a patrimonial – impulsionando as privatizações; a administrativa do Estado – consagrando as terceirizações e restringindo/elitizando as chamadas carreiras de Estado; e a financeira-bancária, o fortalecimento do cartel bancário, com os generosos recursos do PROER.
Mais grave, ainda: a partir da exitosa campanha de desestabilização do governo Dilma, liderada pelo PSDB, pós campanha eleitoral de 2014, com o apoio de outros partidos, mas também pelo cartel das empresas de comunicação de massa, tendo à frente a Rede Globo, mergulhamos no que denomino de quadro de ‘excepcionalidade institucional’. Quadro esse que tem início com o irregular processo de impedimento da presidenta e culmina com a eleição do capitão.
A ‘excepcionalidade institucional’ que vivemos permitiu, a partir do ativismo ou omissão do Supremo Tribunal Federal, curiosas peculiaridades. Como exemplos, o impedimento de Dilma por crime de responsabilidade em torno de ‘pedaladas fiscais’, não reconhecido pelo TCU, e, ao mesmo tempo, a manutenção dos direitos políticos da ex-presidenta, em clara contradição com o texto constitucional; o escandaloso acordo com Renan Calheiros, mantendo-o na Presidência do Senado Federal, mesmo na condição de réu em processo penal no próprio Supremo, mas ‘retirando-o’ da linha sucessória da Presidência da República; além do próprio ‘ativismo legislativo’ do Supremo, em torno de matérias de competência do Congresso Nacional.
Mas, o maior exemplo dessas “excepcionalidades” ainda estava por vir. Ele se deu no curso da campanha presidencial de 2018. Não me refiro aqui, exclusivamente, às manobras e conluios entre setores do Ministério Público e o ex-juiz Sergio Moro, para uma rápida condenação do ex-presidente Lula, buscando inviabilizá-lo como candidato à Presidência, sempre com a conivência de instâncias superiores da Justiça, ‘com Supremo e tudo’.
O que nos interessa agora é destacar a leniência e inoperância do Tribunal Superior Eleitoral em se contrapor às inúmeras irregularidades do então candidato Bolsonaro. Da pregação aberta à violência e eliminação física de adversários, passando pela não esclarecida participação do general Eduardo Villas Bôas – comandante do Exército dos governos Dilma e Temer – na campanha do ‘capitão’ até o escândalo da difusão de fake news, parece que tudo havia sido liberado para o então candidato do PSL.
Com a campanha em curso, a promessa do então presidente do TSE, o ministro Luiz Fux, de combater sem tréguas as ‘fake news’, constatou-se, não passou de bravata grosseira. A desmoralização foi total: a principal característica da campanha em si, especialmente do senhor Bolsonaro, foi a criminosa difusão de notícias falsas.
Sabe-se, agora, através de reportagens do jornal Folha de São Paulo e das evidências apuradas pela CPI das fake news, que essa difusão foi financiada com recursos de caixa 2 de empresas brasileiras, difundidas por empresas estrangeiras e produzidas com técnicas que nos remetem aos métodos utilizados em geral por serviços de inteligência militar, conhecidos como próprios das chamadas ‘guerras híbridas’.
A participação do general Villas Bôas na campanha do ‘capitão’ é uma dimensão gravíssima das irregularidades cometidas e ignoradas até hoje pelas próprias oposições, de forma inexplicável. A informação sobre esse verdadeiro crime – afinal, o general não somente se encontrava na ativa, como no exercício de um importante cargo de confiança do governo Temer, o comando do Exército!!!! – foi feita pelo próprio já presidente Bolsonaro, por ocasião da posse do atual ministro da Defesa, o também general Fernando Azevedo e Silva.
Curiosamente, foi esse mesmo general Fernando que, em pleno curso da campanha eleitoral, foi nomeado como ‘assessor’ do presidente do STF, Antônio Dias Toffoli, medida absolutamente atípica e jamais esclarecida a sua razão.
Outra ‘excepcionalidade’ observada durante a campanha – e igualmente onde as digitais do general Villas Boas foram escancaradas – diz respeito ao já famoso ‘tuíte’ do então comandante do Exército, alertando ou ameaçando o Supremo, às vésperas de um julgamento que poderia beneficiar o então candidato Lula à Presidência.
Por fim, tivemos também, em pleno ano eleitoral, a intervenção na área da segurança pública no Rio de Janeiro, domicílio eleitoral do ‘capitão’, tendo como ‘interventor’ o general Braga Neto. Essa intervenção, no estado em que pontifica com força a ação de milícias e milicianos, de íntima relação com a família do capitão, jamais também foi justificada.
Foi também logo no início dessa suspeita ‘intervenção’ que ocorreu a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, crime até hoje não esclarecido, no tocante às razões e aos mandantes do mesmo. Entretanto, a polícia do Rio chegou aos suspeitos executores desses assassinatos, membros de um chamado ‘escritório do crime’, comandado por um ex-PM do Bope, Adriano da Nóbrega, executado nesse ano de 2020, na Bahia, pela polícia daquele estado, em operação igualmente jamais esclarecida suficientemente.
Adriano da Nóbrega teve, por alguns anos, a sua mãe e a sua ex-mulher empregadas no gabinete do ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro, um dos filhos do ‘capitão’, além de ter sido condecorado, por iniciativa do mesmo deputado, com a Medalha Tiradentes, a maior honraria do Legislativo do Rio.
Parece que nada disso foi ainda capaz de abalar as convicções, a conivência e apoio desses generais, hoje todos eles com importantes funções no governo do ‘capitão’. Logo eles, generais contemporâneos do oficial quase expulso do Exército e que muito bem conheceram e conhecem as razões que levaram o Conselho de Justificação a recomendar a expulsão do desclassificado ‘capitão’ das fileiras do Exército, em 1988. E que posteriormente, durante 30 anos, pontificou-se como um parlamentar omisso, fisiológico e apologista de torturadores e da tortura.
Por todos esses fatos aqui arrolados fica escancarada a situação anômala que estamos vivendo já há alguns anos. Situação que nos expõe como falsa democracia, sob a Presidência de um inepto e irresponsável, amparado por militares da reserva que deveriam ter sido os primeiros a alertar sobre os desvios de conduta e da personalidade doentia de um provável psicopata.
E esse conjunto de anomalias ganha agora a ciência do mundo como um todo, que nos observa com um misto de espanto e incredulidade, em meio à pandemia e às ditas posições do governo do ‘capitão’ e de seus suspeitíssimos generais de pijama. Como pode um país considerado como ‘civilizado’, com suas instituições ‘democráticas’ em pleno funcionamento, permitir tal situação?
Chegou a hora de dar o basta!
Dentro de algumas semanas o TSE terá a oportunidade de começar a necessária reconstrução do país. Esta corte irá apreciar uma ação, relativa às irregularidades da chapa Bolsonaro-Mourão na campanha eleitoral de 2018, por conta das chamadas fake news. O mínimo que podemos esperar será a impugnação dessa chapa. Será a oportunidade do próprio TSE se redimir de suas omissões e conivência com as inúmeras ilicitudes que temos vivenciado.
Chegou a hora dos mais diferentes setores que percebem o risco civilizacional, político e moral que estamos sofrendo de fato se unirem, independentemente de suas posições sobre a crise brasileira, para exigir o fim dessa aventura bolsoraniana que nos ameaça como nação soberana, independente e decente.
A impugnação da chapa de Bolsonaro-Mourão implicará a convocação de eleições diretas, no prazo de 180 dias. Será desse modo a oportunidade de outra gritante necessidade: a urgência de um amplo debate sobre o Brasil pós-pandemia e pós a tragédia que a herança dos últimos 30 anos nos deixa, com nossos serviços estatais degradados, desnacionalização da economia, desindustrialização acentuada e total vulnerabilidade externa.
Para todos os que com sinceridade defendem que o centro da nossa luta, hoje, é a defesa da democracia e o repúdio ao ‘fascismo’ do governo atual, não há outra alternativa: impugnação da Chapa e Diretas Já.
P.S.: esse texto é também a minha homenagem singela ao meu professor e amigo Carlos Lessa, um intelectual que nesses tristes e infames tempos jamais sacrificou o seu saber por conveniências políticas de ocasião”.
Ouça o comentário de Anderson Gomes: