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Editorial – 12.03.2019

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Meus amigos, publiquei ontem na revista Fórum um artigo cujo título é ‘Cuba, democracia e participação popular’. Ele falou também bastante sobre o espaço das mulheres em Cuba. Não vou ler todo esse artigo para o meu comentário inicial do programa porque é meio longo, mas vou ler uma parte dele que parece bastante interessante para ver mecanismos de democracia existentes em Cuba e o grau de espaço de participação das mulheres naquele país. O artigo começa assim:

 

Não me formei no Brasil, imerso que estava na militância política no fim dos anos 60. Mas em 1974, depois de ter escapado do golpe no Chile no ano anterior, trabalhei em Cuba como engenheiro na Empresa de Confecciones Textiles, responsável pelas mais de cem confecções do país.

 

Foi uma experiência interessante. E ela foi além da engenharia. Vi, por exemplo, fábricas, que, por critérios estritamente econômicos deveriam ser fechadas, serem mantidas em funcionamento por uma questão social: não haveria alternativa para manter os empregos na região. Algo impensável no capitalismo.

 

Participei de assembleias para subsidiar a reforma do Código de Família com colegas de trabalho. A partir de um anteprojeto, e com a ajuda de um advogado para dirimir dúvidas sobre questões legais, foram feitas sugestões em assembleias. Milhares de reuniões semelhantes em todo o país colheram propostas, o projeto foi aperfeiçoado e, por fim, votado.

 

Essa participação intensa, desde a revolução, ajudou a forjar uma forte consciência política no povo cubano. Foi o que permitiu a sustentação do projeto socialista, apesar das dificuldades materiais depois do fim da antiga URSS, ao contrário do que ocorreu no Leste Europeu.

 

As lembranças daquele processo que presenciei me vieram à cabeça agora, quando um referendo coroou a aprovação da nova Constituição de Cuba. Antes, durante três meses tinha havido milhares de reuniões em locais de trabalho e de moradia para colher sugestões para a proposta inicial.

 

Num país em que o voto não é obrigatório, participaram do referendo 7,8 milhões de pessoas (84,4% do eleitorado). Disseram “sim” ao projeto de nova Constituição 6,8 milhões (85%); foram contrários 766 mil (9%); e outros 300 mil (4,1%) votaram nulo ou em branco.

 

Comparem-se estes índices aos nossos. No segundo turno das eleições de 2018, a soma de abstenções, votos nulos e em branco foi quase 30% do total. E aqui o voto é obrigatório e se escolhia o presidente.

 

A imprensa brasileira pouco falou do referendo de Cuba. Quando muito, informou que o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi retirado do projeto. Intrigado, consultei uma amiga cubana. Ela explicou: “A resistência de parte da população não era em relação ao casamento entre homossexuais, mas quanto à possibilidade de adoção de crianças por esses casais. Havia o temor de que elas fossem alvo de bullying na escola. Para evitar votos contrários ao projeto de Constituição por conta disso, o tema foi retirado do projeto. Mas vai voltar no debate sobre o novo Código de Família, ainda este ano”.

 

Apontar Cuba como país não democrático, como é feito com frequência no Brasil, é uma injustiça. Lá, os projetos de lei mais importantes são amplamente debatidos pela população, antes de serem submetidos a referendo ou aprovados pelo Legislativo. E os governantes são eleitos pelo parlamento. É eleição indireta, como em outros países parlamentaristas. Mas alguém classifica países como Inglaterra ou Alemanha como não democráticos por causa disso? Neles também são os parlamentos escolhem quem vai governar.

 

A reflexão sobre democracia pode ter múltiplas facetas. A busca do tipo de democracia mais apropriado permite mais de um caminho e, muitas vezes, depende da situação em que se vive. Não há uma única fórmula para se dar-lhe mais vitalidade e substância.

 

No Brasil estamos acostumados ao modelo liberal, que esvazia a essência da democracia pela influência do poder econômico e de uma mídia parcial e concentrada. Há, ainda, a extrema desigualdade social. Quem está no limite da sobrevivência não tem como se preocupar com o exercício da cidadania. O modelo de democracia que temos aqui é um, dentre vários possíveis. Não necessariamente é o melhor.

 

Aliás, sobre Cuba, vale a pena falar da participação feminina. Afinal, as mulheres historicamente sofrem discriminação e representam numericamente metade da população. Assim, o grau de participação delas é um elemento importante para se medir o grau de democracia. Pois bem, na semana passada se encerrou o Congresso da Federação das Mulheres Cubanas, no qual foram apresentados os números que cito abaixo:

 

Mulheres ocupam 53,22% dos lugares na Assembleia Nacional (o parlamento).

 

Ocupam, também, 48,4% dos cargos no Conselho de Estado (o Ministério).

 

São, ainda, 60,5% dos cubanos com nível superior.

 

São 67,2% dos profissionais de nível médio.

 

Representam 49% da força de trabalho civil no Estado, sendo que 83% delas têm pelo menos nível médio de escolaridade.

 

São 48,6% dos dirigentes em todos os níveis.

 

E representam 81,9% dos professores com nível superior, mestrado ou doutorado.

 

Para quem conhece a exclusão das mulheres dos postos mais relevantes no Brasil, tais números são impressionantes. E eles foram alcançados sem a necessidade de cotas ou espaços reservados para mulheres, que nunca houve por lá, mas sim pela criação de condições na sociedade para que elas pudessem desenvolver naturalmente o seu potencial.

 

O contraste com Cuba é gritante. E a questão, embora muito relevante, é tratada em forma de galhofa pelo presidente Bolsonaro. No Dia Internacional da Mulher, ele deu entrevista ao lado das duas únicas ministras e cunhou esta pérola, querendo fazer graça: “Meu Ministério tem 20 homens e duas mulheres, mas a participação é igualitária, porque cada uma delas vale por dez”. É patético.

 

Ouça o comentário de Cid Benjamin:

 

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