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Editorial – 12.03.2021

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O discurso do ex-presidente Lula anteontem ainda reverbera por todo o país, especialmente no Palácio do Planalto. Não por acaso o presidente Jair Bolsonaro tratou rapidamente de abandonar a retórica negacionista e passou a andar de máscara no rosto para cima e para baixo, sentindo que sua reeleição está ameaçada pela simples presença do petista no cenário político eleitoral.

 

Eu queria aproveitar para fazer a leitura de um belo texto escrito pelo jornalista Antonio Martins e publicado ontem pelo site Outro olhar, onde ele faz uma análise política interessante e emocionada a respeito das palavras de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. O título do texto é “A oposição voltou?”

 

Sinceramente, eu não tenho [mágoa]. Porque o sofrimento que o povo brasileiro está passando, o sofrimento que as pessoas pobres estão passando neste país é infinitamente maior do que qualquer crime que cometeram contra mim”. Ditas logos nos primeiros instantes da fala de Lula, ontem – a primeira, após a anulação de suas condenações – as palavras indicaram o tom que seria mantido até o fim. Denúncia da devastação nacional. Responsabilização direta do bolsonarismo. Aceno com a possibilidade de resgate. Foi, do início ao fim, um choque real de visões de país, muito distinto da polarização despolitizante que marcou, por exemplo, a campanha eleitoral de 2018.

 

Uma hora e vinte depois, a pandemia, suas mortes e seu rastro de devastação prosseguiam; mas algo havia mudado. O país era um pouco menos refém dos crimes sociais em série praticados pelo duo Bolsonaro-Paulo Guedes. O discurso de Lula mostrou quanto o projeto dos dois é frágil, quando colocado diante de um campo político alternativo. Deu alento aos milhões que buscam outro país possível. Mas também dividiu o bloco formado por ultradireita e neoliberais – que o digam o tratamento favorável nos telejornais da Globo ou os tuítes de Rodrigo Maia. E, máxima demonstração da hipótese, obrigou o capitão não apenas a dar resposta, mas a submeter seus gestos políticos aos do oponente. As imagens de Bolsonaro vestindo máscara para anunciar uma tentativa de compra de vacinas, poucas horas depois, são impagáveis. Elas indicam que sua narrativa entrou em curto-circuito e sua margem de manobra política pode estreitar-se muito, em breve.

 

Por que a oposição a um projeto de destruição nacional demorou tanto a voltar – se ela é tão possível? No futuro, longos estudos de ciência política poderão dedicar-se ao tema. O importante agora é manter a chama acesa. O campo político alternativo que se expressou ontem na fala de Lula não pode ser um ente raro, que dá o ar de sua graça em ocasiões de gala, onde se reúnem convidados seletos. Precisa estar presente nas UTIs abarrotadas, nas periferias onde a população é forçada a se aglomerar, na angústia da juventude que se enxerga sem futuro.

 

A perspectiva de outro país precisa estar inscrita, em letras garrafais, na mente de milhões. Isso se faz produzindo fatos políticos novos a cada dia. Há enorme espaço e os dois eixos imediatos de ação são óbvios: vacinas e lock-down, para não morrer de covid; Auxílio Emergencial decente, para não morrer de fome — e como garantia indispensável para que a população possa permanecer em casa. Em torno desta agenda elementar, a oposição ao bolsonarismo tem espaço de ação quase infinito para formar opinião pública. Pode denunciar, questionar e principalmente propor.

 

Como fazê-lo articuladamente, deixando para trás a dispersão de forças que se arrasta ao menos desde a eleição de Bolsonaro? A proposta mais prática parece ser a lançada há algumas semanas por Guilherme Boulos: “organizar uma mesa com as lideranças do campo progressista para chegar a um denominador comum de projeto para o país” e “eventuamente a uma candidatura única para 2022”.

 

Mas talvez seja possível ir um pouco além. Como já disse o próprio Boulos, não haverá 2022 sem 2021. As ações comuns precisam ser desencadeadas já. E para construí-las, não basta a esquerda institucional. É preciso mobilizar a vasta rede de ativismo e pensamento progressista existente fora dos partidos.

 

Imagine, por exemplo – como proposto com insistência por Miguel Nicollelis – um estado maior de defesa do Brasil que, mesmo sem poder de Estado, reúna cientistas e referências do movimento pelo Direito à Saúde, em diálogo com os partidos. Ele poderia servir de contraponto concreto à negligência do governo. Apresentaria soluções para a garantia de vacinas. Sondaria, por exemplo, as providências necessárias para ampliar rapidamente a produção do Butantã e da Fiocruz. Pensaria formas de realizar com eficácia, enquanto isso, lockdowns efetivos, que reduzam a mortandade e impeçam o colapso completo dos sistemas de Saúde.

 

Imagine, também, uma proposta de Auxílio Emergencial decente, formulada por um grupo de economistas de competência reconhecida e sustentada por um esforço de comunicação conjunto desta mesa de unidade. Ela desmontaria com facilidade o discurso frágil (mas, no momento, quase-único) segundo o qual “não há recursos” para ir além dos R$ 250 – e é preciso “compensá-los” atingindo os serviços públicos e o funcionalismo. Ela se desdobraria em pressões sobre o Congresso, mobilizações virtuais, vídeos, memes, panelaços coordenados. Ela abriria um horizonte de ação comum, hoje ausente.

 

O leque de possibilidades é imenso. A porta está aberta; a eficácia de um discurso alternativo real ficou clara. Passou da hora de construí-lo”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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