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Editorial – 14.11.2019

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De fato vivemos tempos muito estranhos. Ontem assistimos em Brasília por um lado o Putin, presidente russo, e o presidente chinês claramente criticando o protecionismo, defendendo o multilateralismo ao mesmo tempo em que Paulo Guedes informava à nação que o Brasil está negociando a área de livre comércio com a China. Tudo isso no âmbito dessas pregações do Bolsonaro completamente aderindo às ideias dos Estados Unidos, que hoje são os principais defensores do tal do protecionismo.

 

Em meio a essas situações de alguma maneira surpreendentes, tivemos em Brasília essa ação completamente desastrada dos aliados do autodeclarado presidente da Venezuela Juan Guaidó. Aliás, essa história de se autodeclarar presidente é algo absolutamente inusitado, mas inusitada também foi essa ação desses militantes aliados do Juan Guaidó que simplesmente invadiram a Embaixada da Venezuela lá na capital brasileira. Isso tudo com Brasília sob a tal Garantia de Lei e Ordem, com tropas do Exército, arames farpados pela rua, aquela confusão toda. Não satisfeito, o filho do Bolsonaro ainda manifestou apoio a esses militantes aliados do Guaidó no início do dia.

 

O mal-estar foi generalizado. No meio do dia, o Gabinete de Segurança Institucional emitiu uma curiosíssima nota só para informar que o Bolsonaro não tinha nada a ver e não apoiava isso, mas ficou o dito pelo não dito. O fato é que no final do dia esses aliados do Guaidó, sob forte pressão de militantes de movimentos populares, parlamentares de esquerda, acabaram saindo da Embaixada. Agora fica clara a confusão em plena capital da República no momento da reunião de cúpula dos Brics que surpreendeu também com o Guedes informando que negocia uma área de livre comércio com a China.

 

Isso tudo depois das pregações supostamente ideológicas do senhor Bolsonaro contra, inclusive, a China. Bem, frente a tanta patacoada, vou me ater a uma reportagem importante da Folha de S. Paulo publicada hoje na sua primeira página, inclusive é manchete do jornal, que diz o seguinte: o presidente do Supremo, o Toffoli, determinou o que o Banco Central enviasse cópia de todos os relatórios de inteligência financeira, os RIF’s, produzidos pelo antigo Coaf nos últimos três anos. Coaf é aquele órgão que foi extinto, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras.

 

Inclusive ontem uma turma da OCDE que anda pelo Brasil achou muito estranha essa medida. Eles batalham para que haja toda uma institucionalidade voltada para o combate à corrupção. Nesse sentido, eles viram com muita estranheza a extinção desse Coaf. Mas continuando na história do Toffoli à frente do Supremo, o presidente do STF acabou por ter acesso a dados sigilosos, informa a matéria da Folha, de cerca de 600 mil pessoas, 412 mil físicas e 186 mil jurídicas. É um trabalho dos jornalistas Reynaldo Turollo Jr. e Thais Arbex.

 

O pedido foi feito em 25 de outubro último e está no âmbito de outra decisão polêmica, que foi aquela quando o Toffoli suspendeu todas as investigações no país que usaram dados de órgãos de controle, como inclusive o próprio Coaf e a Receita Federal, sem autorização judicial prévia. Ele, na época, concedeu uma liminar a pedido do Flávio Bolsonaro, filho que é senador e investigado por conta de suspeita de desvio de recursos quando era deputado estadual na Alerj. Segundo a matéria, o Toffoli foi procurado e afirmou que o processo sobre esse caso corre sob sigilo e por isso ele não poderia se manifestar.

 

O problema é que isso significa o seguinte, o Toffoli está reunindo um conjunto de informações absolutamente importantes. O que ele vai fazer com isso, nós não sabemos, até porque ele suspendeu toda essa situação que foi gerada por conta dos advogados do Flávio Bolsonaro que, muito preocupados com os dobramentos que poderiam revelar ações ilícitas não somente do Flávio Bolsonaro, mas do famoso Fabrício Queiroz, esse assessor do Flávio Bolsonaro e do próprio Jair Bolsonaro que está curiosamente desaparecido, o Toffoli tomou essa medida que foi considerada extremamente polêmica na época.

 

Agora a gente sabe que o Toffoli está agindo e acumulando informações. O que ele vai fazer com isso, é importante que todos nós saibamos porque existe uma luta política explícita no país e também nos bastidores. Há muitas movimentações que ficam difíceis de serem avaliadas a contento porque simplesmente as coisas são decididas no escurinho dos bastidores sem que a gente saiba muito bem quais são as intenções de cada um dos atores que estão agindo.

 

Por isso essa matéria da Folha de S. Paulo é importante, expõe mais uma vez o papel que o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado em meio à crise brasileira, onde, na prática, a Constituição passa a ser avaliada de acordo com as conveniências de cada um. Um bom exemplo disso é como o governo vem agindo com seus movimentos erráticos, ora denunciando a influência ideológica que supostamente teria orientado os governos do PT, ora com declarações como essa de ontem do Paulo Guedes informando à nação que há estudos para a formação de uma área de livre comércio com a China, o que já arrancou, por exemplo, declarações preocupadas de dirigentes industriais porque, na verdade, nós estamos em um processo de desindustrialização acelerado e isso evidentemente expõe todas as fragilidades de uma economia que vai se especializando cada vez mais na tal exportação de commodities agrícolas e minerais.

 

É um retrocesso tremendo, mas esse é o Brasil de hoje. O retrocesso não é apenas na área econômica, nós vivemos uma situação sob o ponto de vista social que nos aproxima de uma verdadeira barbárie e, sob o ponto de vista político, nós temos todas essas indagações a respeito de quem é quem no panorama político brasileiro e, especialmente como, afinal de contas, a tal da Constituição pode regular a vida republicana. Aliás, por falar nisso, nós iremos antecipar o debate que sempre realizamos às sextas-feiras para o dia de hoje justamente por conta do dito dia da Proclamação da República, que é comemorado amanhã aqui no país, e o tema será justamente que República é essa que temos no Brasil.

 

Ouça o comentário de Paulo Passarinho:

 

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