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Editorial – 15.04.2021

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Antes de mais nada, eu gostaria de fazer alguns rápidos registros nesse espaço editorial: primeiro, falar sobre um parecer produzido por uma Comissão de Juristas para Análise e Sugestões de Medidas de Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus, criada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e divulgado na última terça-feira (13), concluindo que “há fundadas e sobradas razões para que o Presidente da República possa responder, no plano internacional, por crime contra a humanidade”.

 

Essa Comissão tem como presidente o ex-ministro do Supremo Carlos Ayres Britto e conta com renomados juristas como Antonio Carlos de Almeida Castro, Nabor Bulhões, José Carlos Porciúncula, entre outros. Esse parecer foi encaminhado para discussão no pleno do Conselho Federal da Ordem. É uma importante entidade confirmando o cometimento de crime de responsabilidade pelo presidente da República na falta de medidas de combate à pandemia, levando mais 360 mil brasileiros à morte até aqui.

 

Outra coisa que eu queria ressaltar foi a confirmação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal da decisão do ministro Luís Roberto Barroso que determinou a abertura da CPI da Pandemia pelo Senado, que já foi instalada na última terça-feira (13) pelo presidente da Casa Legislativa Rodrigo Pacheco. Essa decisão do conjunto dos magistrados é importante para deixar claro que não se trata de uma ação persecutória a medida monocrática tomada por Barroso na semana passada, é algo que todo o país clama, a apuração das responsabilidades do Jair Bolsonaro nesse morticínio que está colocado.

 

Eu gostaria de aproveitar para ler também um belo e inquietante texto escrito pelo teólogo e jornalista Frei Betto, onde ele descreve os dramas vividos pela população brasileira em tempos de pandemia sob a gestão do ex-capitão. O título do texto é “Pandemia da fome”.

 

Não bastasse o genocídio promovido pelo governo Bolsonaro, favorecendo a infecção de 15 milhões de pessoas e a morte de 350 mil no Brasil, muitas delas asfixiadas em casa ou na fila de hospitais por falta de leitos, o povo brasileiro se vê, agora, diante de outro fator letal: a fome.

 

Em dezembro de 2020, de 213 milhões de brasileiros, 19 milhões literalmente não tinham o que comer. E 117 milhões não sabiam o que haveriam de comer no dia seguinte, sobreviviam em insegurança alimentar. Os dados são da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional.

 

Basta olhar para as ruas do Brasil para constatar, tristemente, como é atual o poema “O bicho”, de Manuel Bandeira (1947): “Vi ontem um bicho / na imundície do pátio / catando comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa, / não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / não era um gato, / não era um rato. / O bicho, meu Deus, era um homem”.

 

A Covid impôs à maioria do nosso povo um dilema shakespeariano: comer ou morrer infectado. Se ficar em casa e evitar aglomerações no transporte coletivo e no trabalho, corre o risco de morrer de fome, por falta de recursos. Se sair para ganhar o pão de cada dia, corre o risco de morrer infectado.

 

O novo (mísero) auxílio emergencial (valor médio de R$ 250 durante 4 meses) começa a beneficiar 45 milhões de pessoas a um custo de 44 bilhões de reais. Um retrocesso, sobretudo considerando que miséria e pobreza aumentaram em 2021, comparadas a 2020. No ano passado, o valor do auxílio emergencial foi de R$ 600 por cinco meses, e R$ 300 por mais três meses (Guedes queria dar, desde o início, R$200). Custou quase 300 bilhões de reais (exatos R$ 293,1 bi) e beneficiou 68 milhões de pessoas.

 

Vale lembrar que a indiferença do governo com a saúde do nosso povo provocou aglomerações nas agências da Caixa Econômica Federal (o que teria sido evitado se os pagamentos ocorressem em toda a rede bancária). E, por falta de ética, chegou ao bolso de 7,3 milhões de pessoas imerecidamente, inclusive servidores civis e militares. Esses corruptos embolsaram R$ 54 bilhões (18% do total). E até agora não há evidências de terem devolvido os valores e sido punidos.

 

O auxílio emergencial de 2020 fez o PIB brasileiro retroceder 4,1%, quando o FMI previra 9,1%. Segundo Marcelo Neri, da FGV Social, a proporção de pobres (renda mensal inferior a R$ 246) caiu de 10,97% para 4,52%.

 

Em agosto de 2020, 9,5 milhões de pessoas viviam na pobreza. Com o fim do auxílio emergencial na virada do ano e o agravamento da pandemia, em fevereiro de 2021 o número de pobres somou 27,2 milhões, afirma Neri.

 

O novo auxílio emergencial equivale a tentar atravessar a tempestade sem se molhar, segurando apenas uma folha de jornal sobre a cabeça. Durará apenas quatro meses e pagará R$ 150 a quem vive sozinho, R$ 250 a famílias e R$ 375 a mães sem maridos. Valores insuficientes para adquirir uma cesta básica, calculada em R$ 626 no mês de março.

 

Os beneficiários do Bolsa Família, que recebem R$ 346 por mês, são os mais afetados pelo aumento do custo dos alimentos. Durante a pandemia, 44% dos brasileiros deixaram de comer carne; 41%, frutas; e 37%, legumes e hortaliças. Entre os beneficiários, a insegurança alimentar chega a atingir 88,2%.  Destes, 35% passam fome, segundo dados da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, divulgados em 13 de abril.

 

A fome se faz presente em 25,5% das casas chefiadas por mulheres, índice duas vezes superior ao de famílias chefiadas por homens. Se a pessoa é negra, a insegurança sobe para 67,5%, apontam dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional.

 

Veja bem, atento leitor: 44 bilhões de reais serão destinados a 45 milhões de pessoas que sobrevivem na extrema-pobreza. E o orçamento deste ano prevê destinar a 513 deputados federais e 81 senadores (ao todo, 594 privilegiados), 48,8 bilhões de reais em emendas parlamentares, ou seja, fortuna para cada parlamentar aplicar em projetos de sua base eleitoral (ou embolsar via maracutaias).

 

Um governo que cruza os braços diante da pandemia, não amplia as políticas sociais, não assegura uma renda básica a toda a população abaixo da linha da pobreza, reduz gastos na saúde e na educação e, no entanto, libera o comércio de armas, é declaradamente um governo genocida.

 

Será que vamos naturalizar o genocídio brasileiro? Temo pelo meu grau de humanidade”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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