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Vou ler como comentário inicial do nosso programa de hoje o meu artigo que foi publicado na edição do Jornal do Brasil online, na coluna ‘Coisas da política’. O título do artigo é “Afinal, onde estão os militares?”. E começo:
Meu pai era oficial do Exército e eu próprio, na infância, pensei em seguir carreira militar. Convivi com filhos de outros oficiais e quase fui matriculado no Colégio Militar. Se isso acontecesse, talvez tivesse cursado as Agulhas Negras.
Embora progressista, meu pai guardava marcas do ambiente em que viveu até passar para a reserva. Assim, meu contato com a cultura e com o pensamento dos militares foi maior do que o da maioria das pessoas.
Devo dizer que tenho a melhor lembrança do meu pai, tendo a certeza que seu exemplo (sem dúvida, também influenciado pela caserna) foi importantíssimo para moldar minha personalidade.
Fui, depois, preso político, não tendo sido bem tratado em quartéis do Exército. Mas não guardo ressentimentos. Aliás, gosto de uma frase de Confúcio: “Guardar rancor é como ficar com um carvão em brasa nas mãos para jogá-lo em alguém: você é que acaba queimado”.
Não subestimo a importância das Forças Armadas para o país. Elas são uma instituição permanente e necessária. Não interessa a ninguém vê-las achincalhadas. Talvez só aos que querem vê-las diminuídas em sua missão constitucional e transformadas numa espécie de polícia. É o que desejam, por exemplo, os Estados Unidos.
Talvez os mais jovens não saibam, mas as Forças Armadas brasileiras já tiveram em seu interior uma expressiva corrente democrática e nacionalista. Essa corrente, aliás, foi decisiva para a criação da Petrobrás.
Com o golpe de 64, elas sofreram um expurgo. Mas, se foram cassados todos os militares de esquerda ou com posições radicalmente democráticas, o entreguismo não era bem visto por todos nas Forças Armadas, embora estivesse presente nos primeiros tempos da ditadura.
Sempre ficou a impressão de que subsistia alguma corrente ou pelo menos um sentimento nacionalista, ainda que minoritária e dando pouca importância à democracia.
O próprio general Ernesto Geisel esboçou um projeto nacional para o país, ainda que com limitações. Redirecionou a política externa e tratou de fazer ajustes na economia, diminuindo a subordinação ao imperialismo. Enfim, sua política foi diferente da dos tempos de Castelo Branco, quando o embaixador Juracy Magalhães chegou a afirmar: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
Pois agora é o caso de se perguntar se essa frase vergonhosa é a bússola do governo Bolsonaro na política externa. Ele é, disparado, o mais entreguista da história. Com sua política vai na linha do que disse Juracy Magalhães. Promove, com gosto, a liquidação de qualquer estrutura do Estado capaz de formular e conduzir uma política própria, de acordo com os interesses do país. Permitiu a entrega da Embraer e já fala em “privatizar tudo”, até a Petrobrás.
Para desgosto dos caipiras deslumbrados, porém, todas essas demonstrações de amor incondicional foram solenemente ignoradas pela imprensa americana. Nenhum grande jornal deu atenção à visita de Bolsonaro ou à agenda que ele cumpriu nos Estados Unidos.
Aliás, nesta viagem Bolsonaro mais pareceu um cachorrinho abanando o rabo para ganhar um agrado do dono. Portou-se como um caipira deslumbrado ao chegar à cidade grande. Sem que fosse perguntado a respeito, defendeu o muro na fronteira com o México e previu a reeleição de Trump. Ofereceu de bandeja, sem pedir nada em troca, a base de Alcântara. E abriu mão da exigência de vistos para a entrada de americanos no Brasil, também sem qualquer contrapartida.
Enquanto isso o ministro Paulo Guedes, representante do capital internacional designado para comandar a área econômica do governo, seguia no mesmo tom, afirmando em discurso que ele e Bolsonaro “amam os americanos”. Lembrou o ex-presidente argentino Menem, que disse que seu país e os Estados Unidos tinham uma “relação carnal”. Uma vergonha.
Cada declaração de Bolsonaro foi cuidadosamente pensada para bajular Trump. Ele chegou a declarar, em mais uma demonstração de puxa-saquismo, que conta com “a capacidade bélica dos Estados Unidos para libertar a Venezuela”. Valeu mesmo tudo para agradar os americanos.
Se fosse feito um documentário sobre essa viagem, eu recomendaria como trilha sonora a música “O cordão dos puxa-sacos”, uma marchinha de autoria de Roberto Martins que fez sucesso do carnaval de 1945.
E tudo isso transcorre sob os aplausos ou, pelo menos, sob o silêncio cúmplice das Forças Armadas.
Não se veja no que direi a seguir qualquer exortação a um golpe de estado. Deixo bem claro: sou contrário a golpes de estado. Mas, já que os militares são tão influentes no governo Bolsonaro, poderiam se preocupar com os mais altos interesses do país e deixar um pouco de lado suas reivindicações corporativas na reforma que acaba com a Previdência pública e esmaga os trabalhadores.
Ou já não teremos mais qualquer vestígio de nacionalismo e patriotismo nas Forças Armadas brasileiras? Se for isso mesmo, até agradeço o fato de meu finado pai, o coronel Ney Benjamin, já não estar entre nós. Ele não merecia ver esse quadro. Morreria de desgosto.
Como se vê, tem sentido a pergunta que dá o título deste artigo: “Afinal, onde estão os militares?”
Ouça o comentário de Cid Benjamin: