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Na última sexta-feira, o Brasil teve contato com o Bolsonaro real. Um personagem baixo, grosseiro, ignorante, que não respeita a liturgia do cargo que ocupa, tampouco os ministros aos quais concedeu a responsabilidade de conduzir políticas públicas em prol do bem-estar da população brasileira. O presidente da República, que deveria ser o espelho de uma sociedade fraterna, evidenciou sua indecência sem filtros.
Mas o vídeo da tal reunião ministerial do simbólico dia 22 de abril, liberado em sua quase integralidade pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, mostra muito mais que um Bolsonaro ofensivo e boçal. Desnuda um presidente criminoso. A divulgação das imagens confirma integralmente as denúncias do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro de que o ex-capitão do Exército teria tentado interferir na Polícia Federal para proteger seus filhos e amigos.
E é exatamente a isso que precisamos nos ater para pressionar o Procurador-Geral da República Augusto Aras e o presidente da Câmara Rodrigo Maia a darem prosseguimento na denúncia ao presidente por crime de responsabilidade. Ao contrário do que alguns que dizem fazer oposição ao governo, mas espalham aos quatro ventos o discurso indulgente de que Bolsonaro pode sair fortalecido deste episódio, é fundamental reafirmarmos o caráter vexatório e delituoso do material exibido, não só do chefe do Executivo, mas de boa parte dos participantes do encontro.
Em um momento em que centenas de brasileiros morrem diariamente na maior crise de saúde da história, a única vez em que a pandemia do coronavírus foi citada pelo presidente se deu para ofender governadores que tomam iniciativas responsáveis para conter o avanço das infecções. Não bastassem todos os ataques à democracia proferidos na reunião, ainda tivemos aquele atentado às instituições do ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, desafiando a legalidade ao, de maneira ignorante e ameaçadora, responder a uma simples informação passada pelo próprio Celso de Mello ao PGR a respeito de um pedido de apreensão do celular do presidente para investigação, rito processual comum e não terminativo.
O tom ameaçador voltou a se repetir no domingo, quando Bolsonaro publicou em suas redes sociais pouco antes de participar de ato com seus apoiadores na praça dos Três Poderes, em Brasília, a Lei de Abuso de Autoridade, que diz “Divulgar gravação ou trecho e gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado: pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos”, em uma clara referência ao ministro do Supremo Tribunal Federal.
O que foi exibido na última sexta-feira, e provocou repercussão internacional, é apenas mais uma peça que comprova a falácia de Bolsonaro de que não teria tentado interferir na PF. Mais um elemento foi apresentado no sábado, quando vieram ao conhecimento público novas mensagens trocadas entre o presidente e Sergio Moro antes da tal reunião, onde o ex-capitão do Exército diz, se referindo ao ex-diretor-geral do órgão: “Moro, o Valeixo sai essa semana. Isso está decidido. Você pode decidir apenas a forma. A pedido ou ex ofício”.
É essa denúncia grave que nos interessa, é a ela que devemos nos referir durante todo o tempo. Sobre essa retórica benevolente de determinados setores da esquerda, que não reconhecem o cenário de embate que o país atravessa, eu gostaria de ler um texto bastante elucidativo publicado pelo economista e membro da direção nacional do PSOL José Luís Fevereiro nas suas redes sociais. Diz ele:
“‘No passado dia 16 de dezembro forças alemãs desencadearam uma poderosa ofensiva através da floresta das Ardenas pegando nossas tropas totalmente despreparadas. Sem equipamento adequado para o inverno e em total inferioridade de meios não temos como resistir ao avanço dos alemães para Bastogne e daí para a costa do Canal da Mancha onde cercarão as nossas forças no norte da Franca, Bélgica e Holanda. Teremos que retirar por mar para salvar o exército o que retardará nossa ofensiva contra a Alemanha por um a dois anos no mínimo.
Quartel General das Forças Aliadas na Franca, dezembro de 1944
Gen. Dwight D. Eisenhower’
Esta nota evidentemente nunca existiu, mas certamente teria existido se no lugar de Eisenhower estivesse um dos militantes da esquerda brasileira que ontem correu ás redes sociais proclamar a vitória de Bolsonaro com a divulgação do vídeo.
Estamos em guerra e na guerra não se reconhecem vitorias ao inimigo, nem táticas nem estratégicas, mesmo que elas existam, o que certamente não é o caso. Hitler não tinha recursos humanos, equipamento, combustível e cobertura aérea para vencer nas Ardenas.
Bolsonaro não tem condições de vencer a narrativa sobre o vídeo onde em plena pandemia a única referência que fez à saúde foi sobre as suas hemorroidas. Onde o ministro da educação ofendeu meio mundo, defendeu a prisão dos membros do STF, mas não deu uma palavra sobre o ENEM. Onde o ministro do meio ambiente, confessou a intenção de usar o Covid-19 como cobertura para desmontar toda a regulamentação ambiental ainda existente. Onde o ministro da economia, diz que vai privatizar o Banco do Brasil e é advertido por Bolsonaro para só fazer ou falar disso em 2023 após as eleições adiantando um estelionato eleitoral. Onde esse mesmo ministro fala em retomar a agenda de corte de gastos e de privatizações logo ali adiante imaginando que fevereiro de 2020 voltará em algum momento. Onde esse mesmo cidadão diz que apoiar grandes empresas dará lucro ao governo enquanto que apoiar as pequenas só dará prejuízo. Onde a ministra Damares diz que esteve na Amazônia e constatou que índios estavam sendo contaminados propositalmente para jogar a culpa no governo cometendo crime de ocultação de provas à justiça ou de denunciação caluniosa, a conferir. Isso um pouco antes de dizer que vai pedir a prisão de 5 governadores e alguns prefeitos. Onde o presidente da caixa não explica o atraso no pagamento do benefício de 600 reais.
E onde o próprio Bolsonaro passa a maior parte do tempo defendendo a si, seus amigos e sua família enquanto as pilhas de cadáveres se acumulam país afora e a crise econômica se agudiza. Bem fez o ministro astronauta que passou a reunião na Lua.
Com certeza as milícias digitais do Bolsonarismo já estão editando trechos e vendendo a versão de que a reunião mostra um presidente que se preocupa com o povo, que combate os privilégios de uma elite de engravatados de Brasília, enquanto dá mais de 1000 cargos de alto escalão a egressos das Forças Armadas, o novo centrão fardado. Eles farão isso com certeza e sem tergiversações. Sabem que é uma guerra e não vão admitir erros do Bolsonaro.
Mas não se iludam. Como diz um personagem de Erico Verissimo em “ O Tempo e o Vento”, Bolsonaro está “peleando em retirada e com pouca munição”.
E nós? Vamos travar a guerra ou vamos fazer DR nas redes sociais?”
Ouça o comentário de Anderson Gomes: