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Editorial – 28.04.2020

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O discurso atrapalhado e lamentável do presidente Jair Bolsonaro na última sexta-feira, respondendo às acusações do seu mais recente desafeto, o demissionário ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, vem rendendo as mais diversas análises. O jornalista Marcelo Godoy, do jornal O Estado de São Paulo direcionou seu olhar para a imagem que se formou no Palácio do Planalto, com Bolsonaro cercado de ministros, inclusive os da ala militar, e destacou o papel dos oficiais no governo até então e a partir das graves denúncias do ex-juiz da operação Lava Jato. Eu gostaria de passar à leitura do artigo, que é intitulado “Mourão e os militares são prisioneiros do governo Bolsonaro”.

 

Eram 17 horas de sexta-feira, 24, quando Jair Bolsonaro e seu ministério produziram uma imagem histórica. Ali estavam cinco generais perfilados ao lado do homem que acabara de ser acusado de crimes que fariam ruborescer quem escreveu o Estatuto dos Militares. Os juristas do País já elencavam naquele momento sete condutas delituosas, em tese, praticadas pelo presidente: de corrupção à obstrução de Justiça. E, como se não bastasse, horas depois esse homem ainda seria confrontado pelas cópias de mensagens que o próprio enviou a Sérgio Moro. O silêncio dos militares diante do estupor da catilinária do ex-ministro cedeu, no entanto, lugar à interpretação de que o governo estava sob ataque e, nessa guerra, era preciso defendê-lo. 

 

Os cinco generais de Exército e o almirante presentes no palco queriam provar que não existe uma ala militar na Esplanada, mas um governo coeso de generais em torno do presidente. Nem mesmo o vice estava ausente, aquele que Carlos Bolsonaro suspeitava conspirar contra seu pai. Mais do que isso, nas horas seguintes partiu de Hamilton Mourão a sugestão do nome do desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores para ocupar a pasta da Justiça. Thompson Flores é outro magistrado que ajudou a condenar Lula. Se fosse partida de xadrez, a manobra seria conhecida como “defesa Regina Duarte”, aquela em que se troca um peão por outro, seis por meia dúzia.

 

Mourão conhecera Thompson Flores quando chefiara o Comando Militar do Sul (CMS). Em vez de conspirar, o vice tentou ajudar o presidente a superar a crise. Ele e os demais generais não abandonaram Bolsonaro porque sabem que os votos quem os tem é o presidente. É Bolsonaro quem faz o governo ter um mínimo de popularidade, o que o torna mais difícil de ser derrotado em 2022. Mourão é visto pelos que defendem a renúncia como mais um conservador, alguém previsível. Não é o que diz o próprio Bolsonaro. “Com todo respeito ao Mourão, ele é muito mais tosco do que eu. Muito mais tosco. Não é porque é gaúcho não. Alguns falam que eu sou até muito cordial diante de Mourão”, disse o presidente há um mês. Um general que os conhece concorda com Bolsonaro.

 

Ele lembra que o vice ainda não foi testado diante de um Congresso que não lhe permita aprovar todos os seus planos ou de um Supremo que lhe negue “consertar” o País. “O Mourão ia endurecer. Pode acreditar. E o Exército vai estar com ele.” A maioria dos oficiais não vê em Mourão os problemas de Bolsonaro – os filhos e o astrólogo da Virgínia. Por fim, a maçonaria também lhe daria apoio irrestrito. “Ninguém estaria tranquilo com Mourão, nem no Congresso, nem no Supremo. E este é mais um motivo para que Bolsonaro permaneça no cargo”, disse um general que busca reacender a estratégia bolsonarista de levantar o temor de um governo militar com Mourão. 

 

E os demais generais da foto? Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, tem a seu favor o fato de ser amigo pessoal do presidente, e o mandamento da lealdade sempre pode ser lembrado pelo general. Ramos é tido, no mundo civil, como o homem que poderia moderar Bolsonaro, não só pelos seus contatos com os políticos como pela sua amizade com o mandatário. Tornou-se o primeiro quatro estrelas a deixar o Alto Comando do Exército para assumir um assento na Esplanada. Mantém-se fiel ao presidente e pede aos jornalistas que publiquem histórias positivas sobre a covid-19. Eles não estariam ajudando. Afinal, que importa se Bolsonaro chama a doença de “gripezinha”? O problema é a imprensa. Culpa-se o carteiro pelo aviso de cobrança.  

 

Um pouco a frente de Ramos na foto estava Walter Braga Netto, que coordena as negociações com parlamentares para a construção de uma nova base do governo no Congresso. A história vai registrar que no ato de demissão do delegado Maurício Valeixo, denunciado como falso por Moro, foi a assinatura do general de quatro estrelas que entrou no lugar daquela do ministro demissionário horas depois. Um dia antes, Braga Netto afirmara aos jornalistas que a saída de Moro havia sido negada pela assessoria do Ministério da Justiça. O general desmentia uma informação verdadeira. Quando não se pode falar sobre fatos, é melhor não brigar com eles e guardar silêncio. A ninguém é permitido desconhecer a prudência no exercício do poder.

 

Augusto Heleno, o quarto general da fotografia, é o homem que planejou a volta dos militares à política. Tentava fazer isso desde quando estava na ativa e se relacionava com os arrozeiros de Roraima. Na cena do Planalto, representava o grupo dos fidelíssimos, que deseja o conflito final contra o Congresso e o Supremo porque imagina os dois outros poderes da República meros estorvos ao projeto que acredita resgatar o Brasil. E, por fim, estava ali o ministro da defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, o homem que assinou uma nota na segunda-feira, dia 20, para afirmar que as Forças Armadas cumprem a Constituição. Só a necessidade de se produzir tal documento já demonstra o grau de esgarçamento da legalidade a que esse governo chegou.

 

Os generais estavam ao lado do presidente porque pensam como Bolsonaro e, concordando com o conteúdo de seu pensamento, discordam apenas da forma como ele se manifesta. E a razão é uma só: este é um governo de militares. Ele mantém o apoio da maioria dos oficiais da ativa e da reserva ouvidos desde sexta-feira pela coluna. Houve até quem chamasse Sérgio Moro de “traidor” e “dissimulado”. “Era o homem certo no lugar errado”, disse um coronel da Aeronáutica. Moro – concluiu –  não estava preparado para uma função que é antes de tudo política e a desempenhou como uma criança que nunca tocou a campainha da casa do vizinho.

 

Por fim, um general chegou a qualificá-lo como “socialista”. Logo Moro, a Nêmesis de Lula, odiado pela esquerda, que se vira diante do constrangimento de torcer por “um empate” entre o ex-magistrado e o presidente. Mas, de todas as acusações, a mais interessante é a de traição. Ela mostra o tipo de lealdade que Bolsonaro exige de ministros e funcionários do Estado brasileiro. Trata-se de um governo em guerra. Incapaz de unir a Nação, ele aliena a maioria da população com seu ressentimento contra a cultura, a universidade e o pensamento crítico e com seu desrespeito às leis, ao bem comum e ao combate ao privilégio e à desigualdade.

 

 E, assim, avolumam-se os inimigos imaginários e fabricados por Bolsonaro e quem se lhe opõe por escolha civilizatória. Uns poucos se lembraram do desabafo feito aqui pelo coronel Glauco Carvalho, da Polícia Militar de São Paulo. Até porque a maioria de seus colegas o criticou em redes sociais. Houve até quem o qualificasse como traidor, assim como agora fazem com Moro.  “Como militar, sinto-me envergonhado por tantas ações atabalhoadas, extravagantes, ridículas e mesquinhas”, disse então o coronel.

 

À lista de Glauco, Moro acrescentou crimes: corrupção, obstrução de Justiça, advocacia administrativa, prevaricação, coação, falsidade ideológica e crime de responsabilidade. Tudo supostamente encoberto por mentiras. “Corrupção não é só receber dinheiro. É qualquer vantagem indevida.”, explicou a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Resta aos quase 2,5 mil militares do governo a defesa de um projeto cada vez mais parecido com a velha política que se diziam opor. É difícil se desfazer de cargos, salários e da redenção que Bolsonaro lhes trouxe diante dos agravos dos últimos 30 anos. Mas o chefe exige em troca a adesão a um poder fundado na lealdade e na obediência. De modo que, em vez de Brasil novo, todos parecem rumar para um Gotterdammerung, o destino comum de quem se entrega como prisioneiro nas mãos de uma liderança carismática”.

 

Ouça o comentário de Anderson Gomes:

 

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