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Por Carlos Eduardo Martins*
A economia mundial está entrando em uma de suas piores crises nos últimos 100 anos, e esta conjuntura tem levado ao questionamento da globalização neoliberal e das políticas que ela tem imposto ao mundo nos últimos 30 anos. Em diversas partes do planeta surgem questionamentos às políticas de austeridade e demandas por políticas de garantia de patrimônio de empresas e de salários e rendas de trabalhadores e desempregados. No Brasil, esse confronto vem assumindo formas específicas e tem levado à agudização do confronto entre três forças políticas sociais importantes.
Uma delas é representada pelo grupo hoje politicamente hegemônico formado pelo bolsonarismo. O segundo grupo é formado pela burguesia interna tradicional, que tem liderado estruturalmente o desenho da globalização neoliberal no Brasil, ainda que tenha perdido o protagonismo político durante os governos petistas, ainda que mantivesse várias das diretrizes desse governo, e essa burguesia, após recuperar esse controle no governo Temer, perdeu para o grupo bolsonarista, e um terceiro grupo importante é o representado pelas esquerdas, que têm no petismo ainda a sua expressão hegemônica, mas longe de ser uma identidade que representa o conjunto da sua diversidade.
O grupo bolsonarista é de perfil neofascista, articulado ao imperialismo dos Estados Unidos, e que tem buscado fazer da crise um instrumento de terror económico para destruir direitos sociais, tal como expresso nas tentativas de suspender contratos de trabalho, impor cortes salariais aos servidores públicos, abandonar desempregados e trabalhadores informais, e também o grupo bolsonarista busca fazer da crise um instrumento de terror para ampliar o estado de exceção, pretendendo cancelar as eleições municipais neste ano e adiá-las para 2022. Esse grupo resiste em desmontar as políticas recessivas que vêm impondo e transitar para políticas keynesianas pretendendo limitar os pacotes de ajuda que se vê obrigado a estabelecer.
O grupo bolsonarista tem como objetivo ser intermediário da ocupação neocolonial do Brasil e, portanto, está comprometido com a destruição da nossa autonomia científica e tecnológica, com a destruição dos segmentos de maior valor agregado da nossa indústria, está comprometido com a conversão do Brasil em um país produtor de commodities, comprometido também com a dolarização e a internacionalização do setor financeiro e de serviços para alinhar geopoliticamente o nosso país aos interesses estratégicos norte-americano, blindando a influência russa e chinesa na América do Sul. Esse grupo tem a pretensão de, neste alinhamento, transformar o Brasil em um satélite subimperialista dos Estados Unidos para garantir seus interesses militares na região.
É bastante importante assinalar a atuação do Brasil sobre a Venezuela, buscando desestabilizar o governo Maduro e diversos setores do grupo bolsonarista têm mesmo a pretensão de engajar o Brasil em uma intervenção militar contra a Venezuela, o que se revela cada vez mais de interesse estratégico dos Estados Unidos, sobretudo em um contexto em que o aumento da oferta de petróleo por parte da Rússia e da Arábia Saudita tem levado a uma profunda crise do setor de gás de xisto nos Estados Unidos. Esse grupo bolsonarista está sendo confrontado pela burguesia interna tradicional que se sente ameaçada com essa política recessiva que se aprofunda em tempos de crise e com as pretensões desse grupo de controle permanente do Estado brasileiro.
Essa burguesia está pressionando por medidas keynesianas que apoiam o empresariado interno, com quem esse grupo bolsonarista não tem maiores compromissos, e essa burguesia interna busca ainda estender as medidas keynesianas aos trabalhadores e afrouxa o controle político sobre as esquerdas para ganhar base de massas e impor limites ao governo Bolsonaro. Essa burguesia interna perdeu fortemente a força política depois do desastre que foram os governos peessedebistas e o governo Temer. Penso que deve se travar nos próximos meses uma briga feroz entre o grupo Globo e o governo Bolsonaro porque o governo Bolsonaro tem a possibilidade de cancelar a concessão da Globo no último ano do seu mandato e é muito difícil que se chegue a um acordo entre o grupo bolsonarista e o grupo Globo porque um não confia no outro.
O governo Bolsonaro, se renovar a concessão, pode se tornar alvo de uma artilharia pesada do grupo Globo, que teria então 15 anos de respaldo para fazer isso, e o grupo Globo, por outro lado, não confia que o governo Bolsonaro possa renovar sua concessão e basta, para não renovar, que o governo Bolsonaro encaminhe nesse sentido e tenha o apoio de 40% do parlamento. Temeroso com essa tentativa de cancelamento da sua concessão, o grupo Globo deve partir para uma briga feroz buscando desestabilizar e derrubar o governo Bolsonaro, mas o grande limite dessa burguesia interna é que, apesar de ela reivindicar o racionalismo iluminista liberal, apesar de estar reivindicando a ciência contra o irracionalismo e o fanatismo, ela tem seu grande calcanhar de Aquiles no compromisso com a superexploração do trabalho.
A possibilidade desse grupo impulsionar uma política de massas contra o bolsonarismo é muito limitada, o que abre espaço para que as esquerdas possam desempenhar um papel próprio e tirar partido das lutas entre esses dois blocos de poder burgueses em disputa no Brasil para se organizar. Mas, para isso, as esquerdas têm de se dar conta de que a globalização neoliberal realmente acabou, que seus resultados foram magros ou deficitários para a classe trabalhadora e para soberania nacional e que não é mais possível respaldar nenhum projeto de desenvolvimento, democracia e civilização no Brasil pautado em uma hegemonia burguesa.
* Carlos Eduardo Martins é professor de ciências políticas do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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